Revisão das Regras Aplicáveis à Micro e Mini Geração Distribuída – GD

I.    Introdução

A ANEEL instaurou a Audiência Pública 001/2019, com o objetivo de obter subsídios para a análise de impacto Regulatório – AIR sobre o aprimoramento das regras aplicáveis à micro e mini Geração Distribuída, previstas na Resolução Normativa 482/2012.

Tal Audiência Pública será realizada no período de 24/01 a 19/04 de 2019 e contará com reuniões presenciais a serem realizadas em Brasília, São Paulo e Fortaleza.

Foram disponibilizados documentos relativos à análise das contribuições recebidas pela ANEEL no âmbito da Consulta Pública 010/2018, bem como o Relatório de AIR 004/2018-SRD/SCG/SMA/ANEEL, o qual será objeto da presente análise, que tem como objetivo apresentar as alternativas identificadas pela ANEEL para evolução das regras previstas na Res. 482/2012.

As principais alterações propostas tratam das regras relativas ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica, mecanismo que permite que a energia excedente gerada por uma unidade consumidora com micro ou mini geração distribuída seja injetada na rede da distribuidora e posteriormente utilizada para abater o seu consumo mensal.

A revisão das regras atuais estava prevista na Res. 482/2012 e as propostas de alterações apresentadas decorrem do fato de que a manutenção indefinida das regras atuais não permitiria, no médio e longo prazos, a remuneração adequada pelo uso da rede de distribuição, transferindo tais custos para os consumidores que não optarem por instalar geração própria, os quais, em tese, seriam os consumidores com menor poder aquisitivo.

A metodologia adotada pela ANEEL foi a de analisar os impactos decorrentes da aplicação de 6 cenários distintos de valoração da energia injetada na rede, cada um considerando determinadas componentes da tarifa de energia elétrica.

A previsão da ANEEL é de que o processo de revisão da Res. 482/2012 seja concluído em 2019, com publicação de um novo normativo com vigência a partir de 2020.

II.    Das alternativas identificadas na AIR 

A ANEEL identificou 6 possíveis alternativas relativas à forma de valoração da energia excedente a ser injetada na rede por unidades consumidoras com micro e mini geração distribuída.

A alternativa 0 pressupõe a manutenção das regras atualmente previstas na Res. 482/2012, ou seja, a energia a ser injetada na rede continuaria sendo valorada considerando todas as componentes tarifárias incidentes sobre a energia consumida.

Já as demais alternativas de 1 a 5, preveem a exclusão cumulativa de componentes da tarifa de energia elétrica (TUSD e TE) para valoração do excedente a ser injetado, para efeito de compensação com o consumo mensal. 

Assim, na alternativa 1, seria excluída da valoração da energia a ser injetada a componente “TUSD Fio B”.

Na alternativa 2, seriam excluídas a TUSD Fio B e TUSD Fio A;

Na alternativa 3, seriam excluídas a TUSD Fio B, TUSD Fio A e Encargos;

Na alternativa 4, seriam excluídas a TUSD Fio B, TUSD Fio A, Encargos e Perdas (toda a TUSD); e 

Na alternativa 5, seriam excluídas toda a TUSD, além dos encargos e demais componentes da Tarifa de Energia (TE), sendo valorada apenas pela componente de “energia” da TE.

Para todas as alternativas foram analisados os prováveis impactos decorrentes da sua eventual adoção no desenvolvimento do mercado de GD, e, partir desses impactos, foram projetados os custos e benefícios que a micro e mini GD aportariam, sob as óticas do consumidor que decide gerar sua própria energia e dos demais usuários da rede de distribuição.

III.    Resultado das análises e alternativas escolhidas

Após as análises dos impactos de cada alternativa no desenvolvimento do mercado de GD e da projeção dos custos e benefícios a serem aportados ao sistema, foram identificados dois cenários distintos para a (i) micro e mini GD local (compensação integral dos créditos no mesmo local onde a energia é gerada) e para (ii) mini geração remota (compensação dos créditos em local distinto de onde a energia é gerada).

(i)    Micro e Mini GD Local

A AIR concluiu que a manutenção das regras atuais por tempo indeterminado levaria a um aumento elevado dos custos para os consumidores que não optarem por instalar geração própria, além de produzir impactos tarifários indesejados, sendo insustentável a manutenção das regras atuais por longo período de tempo.

Entretanto, as análises e cálculos realizados demonstraram que seria recomendável manter as regras atuais (alternativa 0) até a consolidação do mercado de GD, tendo como referência a instalação de 3.365 GW no país, o que é estimado para ocorrer em 2024. A partir desse “gatilho”, a proposta seria a implementação da alternativa 1, ou seja, excluir da valoração da energia a ser injetada na rede a componente TUSD Fio B, conforme gráfico abaixo: 

Adicionalmente, como forma de preservar os investimentos relativos aos empreendimentos implantados (ou em implantação) sob as regras atuais, a AIR propõe a adoção das seguintes ressalvas:

– Aos consumidores que já tenham instalado GD para compensação local ou que venham a instalar até o final de 2019, ficaria garantida a aplicação das regras vigentes para um período de 25 anos contados da data da conexão ao sistema de distribuição;

– Aos consumidores que venham a instalar GD para compensação local entre 2020 e o acionamento do gatilho, aplicar-se-iam as regras vigentes durante os primeiros 10 anos de conexão, aplicando-se a alternativa 1 a partir desse momento;

– Aos consumidores que venham a instalar a GD após o gatilho, seria aplicada a alternativa 1. 

A ANEEL espera que a adoção dessa sistemática irá permitir o atingimento de 17 GW de potência instalada de GD até 2035 (quase equivalente a potência instalada das UHEs Belo Monte, Jirau e Santo Antônio juntas), além da redução de 60 milhões de toneladas de CO₂.

(ii)    Mini GD Remota

No que se refere à instalação de GD para compensação remota, a AIR concluiu que a alteração das regras atuais somente deve ser realizada a partir da consolidação do mercado de GD remota, com o atingimento da marca de 1,25 GW de potência no país, o que se estima ocorrer ao final de 2020. A partir dessa marca, seriam aplicadas de forma gradual as alternativas menos atrativas para a GD remota, porém remunerando de forma mais adequada o uso da rede de distribuição, começando pela alternativa 1, excluindo da valoração da energia a ser injetada na rede a componente TUSD Fio B.

Pela proposta apresentada seria instituído, ainda, um segundo gatilho correspondente ao atingimento da marca de 2,13 GW de potência instalada de GD remota no país, a partir do qual seria aplicada a alternativa 3, excluindo da valoração da energia a ser injetada na rede as componentes TUSD Fio B, TUSD Fio A e Encargos. Confira-se: 

Da mesma forma que proposta para a GD local, como forma de preservar os investimentos já realizados em GD e possibilitar uma migração mais suave para o novo regime, foram propostas as seguintes regras de transição:

– Aos consumidores que já tenham instalado GD para compensação remota ou que venham a instalar até o final de 2019, ficaria garantida a aplicação das regras vigentes para um período de 25 anos contados da data da conexão ao sistema de distribuição;

– Aos consumidores que venham a instalar GD para compensação remota entre 2020 e o acionamento do primeiro gatilho (1,25 GW), aplicar-se-iam as regras vigentes durante os primeiros 10 anos de conexão, aplicando-se em seguida a alternativa 3;

– Aos consumidores que venham instalar a GD para compensação remota entre o primeiro (1,25 GW) e o segundo (2,13 GW) gatilhos, seria aplicada a alternativa 1 durante os 10 primeiros anos de conexão, aplicando-se em seguida a alternativa 3; e

– Aos consumidores que venham a instalar a GD após o segundo gatilho (2,13 GW), seria aplicada a alternativa 3.

A ANEEL espera que a adoção dessa sistemática irá permitir o atingimento de mais de 4,5 GW de potência instalada de GD remota até 2035.

IV.    Demais Aspectos

O AIR levanta, ainda, outros pontos passíveis de contribuição por parte dos interessados, tais como:

(i)    Custos associados à conexão de mini GD para compensação remota: Na maior parte dos casos essa modalidade de GD é instalada em locais distantes da rede de distribuição e os respectivos custos de conexão são tratados na forma da Resolução 414/2010, como sendo ERD – Encargo de Responsabilidade da Distribuidora;

(ii)    Comercialização do excedente de geração de GD: A ABRACEEL elaborou proposta que permitiria ao consumidor com GD (inclusive residencial) comercializar a energia excedente no mercado livre, realizando a compensação (net meetering) até o limite do seu consumo mensal, sendo os dados de medição enviados à CCEE diretamente pela Distribuidora local. A AIR destaca vários pontos de atenção em relação à essa proposta da ABRACEEL e solicita contribuições da sociedade em relação aos mesmos;

(iii)    Alocação de créditos em diferentes áreas de concessão: Foram abordados alguns casos em que poderia ser flexibilizada a regra que restringe a utilização dos créditos de GD à mesma área de concessão na qual a o consumidor/gerador está conectado, tais como quando a geração está localizada em área de fronteira entre duas áreas de concessão e quando várias distribuidoras atendem um mesmo Estado da Federação. A AIR aponta os entraves identificados e solicita contribuições dos agentes quanto a esse aspecto.  

V.    Conclusão

Pela leitura do relatório de AIR percebe-se que a ANEEL vem conduzindo a revisão das regras da GD com muita cautela, uma vez que se trata de uma modalidade de geração que vem se desenvolvendo mundialmente, havendo enorme potencial de crescimento no Brasil.

Sendo assim, a Agência manifestou a preocupação de manter o incentivo para que os consumidores busquem instalar geração própria, sem, contudo, transferir o ônus pelo uso da rede de distribuição àqueles consumidores que “optarem” por não instalar a GD.

Vale ressaltar que a não instalação da geração própria não é exatamente uma opção do consumidor, mas decorre da sua incapacidade de investimento nessa tecnologia, o que remeteria à situação indesejada do custo da rede ser suportado justamente pelos consumidores que possuem menos condições econômicas para tanto.

Com efeito, pelas regras atuais, os consumidores com GD (trifásica) pagam apenas pelo custo de disponibilidade da rede de distribuição, correspondente a 100 kWh, o que, de acordo com os estudos constantes do relatório de AIR não seria suficiente para remunerar adequadamente o uso da rede.

Destaca-se, ainda, o fato de que os consumidores com GD continuam utilizando a rede de distribuição como forma de “armazenar” a energia produzida durante o dia para utilização à noite, ou seja, dependem da rede para utilização integral da energia produzida.

A metodologia utilizada pela ANEEL levou em consideração as centenas de contribuições apresentadas no âmbito da Consulta Pública 010/2018, utilizando dados apresentados por agentes, consumidores e suas respectivas associações.

As conclusões e as propostas apresentadas visaram a realização de uma transição gradual de forma a permitir uma consolidação do mercado de GD local e remota antes que sejam adotadas regras mais restritivas à GD, bem como garantir àqueles consumidores que já possuem ou que venham instalar geração própria até o atingimento de determinados marcos a aplicação das regras atualmente em vigor, como forma de afastar insegurança jurídica e regulatória, além de eventuais alegações de violação de ato jurídico perfeito e/ou desequilíbrio econômico financeiro dos contratos já celebrados.

De acordo com a agenda regulatória, a ANEEL pretende consolidar as contribuições recebidas e abrir nova Audiência Pública no segundo semestre de 2019, dessa vez para receber contribuições acerca do texto da minuta de resolução que será elaborada pela Agência, visando a aplicação do novo normativo a partir de 2020.