Contencioso empresarial

STJ revê posicionamento sobre retroação de norma administrativa sancionadora mais benéfica para supostamente se alinhar ao STF

No recente julgamento do REsp 2.103.140, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) revisou seu posicionamento sobre a retroação de norma administrativa sancionadora mais benéfica, em busca de se alinhar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O relator, ministro Gurgel de Faria, esclareceu que a 1ª Turma do STJ vinha entendendo pela possibilidade de retroação da lei mais benéfica nos casos que envolvem penalidades administrativas, por compreender que o art. 5º, LV da Constituição Federal traria princípio geral de direito sancionatório.

Contudo, segundo o relator, diante do entendimento em sentido contrário manifestado pelo STF no julgamento do Tema nº 1.199 da Repercussão Geral (definição de eventual retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa), fez-se necessária a revisão pelo STJ.

Isso porque, segundo o ministro Gurgel de Faria, o STF apontou a necessidade de interpretação conjunta dos incisos 36 e 40 do art. 5º da CF/88, devendo haver disposição expressa na legislação para se afastar o princípio do tempus regit actum (o tempo rege o ato), visto que a norma constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica está diretamente vinculada ao princípio do favor libertatis (que se caracteriza pela prevalência dos valores da liberdade sobre o poder de punir do Estado, ), peculiaridade inexistente no direito administrativo sancionador, o que exige nova reflexão do STJ sobre a matéria.

Ainda de acordo com o ministro Gurgel de Faria, não se mostraria coerente com o entendimento do STF que se aplique a retroatividade da lei mais benéfica aos casos em que se discute a mera redução do valor de multas administrativas (questões muito mais brandas) e, por outro lado, que se deixe de aplicar o princípio às demandas de improbidade administrativa, cuja sanção é muito mais grave com consequências que chegam a se equiparar às previstas no direito penal.

Com essas ponderações, por unanimidade, a 1ª Turma decidiu que, “considerando os critérios delineados pelo STF, a rigor, a penalidade administrativa deve se basear pelo princípio do tempus regit actum, salvo se houver previsão autorizativa de aplicação do normativo mais benéfico posterior às condutas pretéritas”. Assim, deu-se provimento ao REsp 2.103.140 para,

reformando a decisão que entendeu pela retroatividade da norma/resolução posterior mais benéfica à recorrente (prevendo multa no patamar mínimo de R$ 550), determinar a aplicação do patamar mínimo da multa (R$ 5 mil) que era previsto pela resolução vigente à época da infração.

A ministra Regina Helena Costa fez registrar ressalva do seu posicionamento pessoal acerca do assunto, no sentido de que o art. 5º, LV da CF/88 contém princípio geral implícito da retroatividade da lei mais benéfica para todas as situações e contextos sancionatórios, e não apenas para o campo do direito penal. Pontuou nesse sentido que, se é possível retroagir a lei penal mais benéfica (cujo nível sancionador é muito mais grave) não haveria razão para deixar de ser assim com a lei administrativa.

A ministra concluiu sua ressalva afirmando que estava aderindo ao voto do relator por “questão de lógica jurídica”, deixando claro que o resultado desse julgamento se deu em razão do que o STF decidiu no julgamento Tema nº 1.199 de Repercussão Geral, mas não do entendimento pessoal dela. O relator, da mesma forma, demonstrou ser esse o seu entendimento, embora tenha votado pelo provimento do recurso.

Não obstante a revisão do posicionamento da 1ª Turma tenha ocorrido com o objetivo de se alinhar ao decido pelo STF, pelo que foi divulgado durante a sessão de julgamento, não foi abordada uma relevante questão relacionada à aplicação das normas no tempo: no julgamento do Tema 1.199 o STF, de fato, afastou a retroatividade, mas barrou também a ultra-atividade de normas.

Segundo o relator do Tema 1.199 no STF, ministro Alexandre de Moraes, no ordenamento brasileiro “vige o princípio da não ultra-atividade, uma vez que não retroagirá para aplicar-se a fatos pretéritos com a respectiva condenação transitada em julgado, mas tampouco será permitida sua aplicação a fatos praticados durante sua vigência mas cuja responsabilização judicial ainda não foi finalizada”.

Isto é, de acordo com o entendimento do STF, normas revogadas por ocasião do julgamento administrativo não mais podem ser aplicadas, ainda que estivessem vigentes à época da infração. Portanto, não basta observar apenas o momento da infração, mas também o momento do julgamento, o que ainda não se sabe se foi abordado e debatido pela Turma, uma vez que o acórdão ainda não foi disponibilizado.

A compatibilização destes dois momentos de análise e julgamento da conduta infracional ainda precisa ser melhor detalhada pela jurisprudência do STJ. A análise do inteiro teor do acórdão é fundamental para a correta compreensão do julgado e das medidas adequadas para a manutenção da coerência de entendimentos nos Tribunais Superiores.