Aduaneiro e comércio exterior

Tributário

Pena de perdimento e o direito ao duplo grau administrativo: uma saga ainda sem final feliz

Tatiana Rezende Torres Zeller[1]

Petrina Rodrigues de Mello[2]

O ano de 2023 foi marcado pelo início do fim de um dos últimos restolhos do período autoritário no processo administrativo brasileiro: a instância única na discussão da aplicação da pena de perdimento, conforme disposto no art. 27, §4º, do Decreto-Lei nº 1.455/76[3].

A possibilidade de o administrado recorrer, em segunda instância, para órgão diverso daquele que analisou a sua defesa, notadamente nos processos que se referem diretamente ao seu direito de liberdade ou de propriedade, é reconhecido pela doutrina como um corolário direto do Estado Democrático de Direito[4]. Veja-se:

(…) seria desarrazoado falar em amplitude de defesa se não houvesse a possibilidade de ao menos uma revisão da matéria decidida. Assim, como corolário do Estado Democrático de Direito está a possibilidade, na esfera administrativa, do duplo grau de jurisdição. Este princípio, embora implícito no ordenamento constitucional, garante que, após a primeira decisão sobre a manutenção ou não de um ato punitivo em recurso, seja a decisão submetida a uma outra autoridade superior, que tenha o poder de modificar, revogar ou manter a primeira decisão. Os diplomas legais sancionadores devem prever tal possibilidade sob pena de incompatibilidade com o primado do Estado Democrático.

Nesse sentido, a Constituição Federal instituiu o devido processo legal substantivo como um dos direitos fundamentais do cidadão e do administrado:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

O dispositivo acima, ao empregar a expressão “com os meios e recursos a ela inerentes”, necessariamente se refere ao direito dos cidadãos ao duplo grau de jurisdição, especialmente em processos nos quais o administrado está exercendo o seu direito de se contrapor a uma decisão administrativa que se imiscui diretamente no âmbito de seus direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Caso contrário, a garantia de defesa dos direitos fundamentais do cidadão estaria fragilizada, pois limitada, no curso do processo administrativo, à instância única, muitas vezes prolatada no âmbito do mesmo órgão que proferiu a decisão contestada.

Nesse sentido, é a lição de Paulo Zanellato, para o qual “o princípio do devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, garantindo a igualdade de condições com o Estado-persecutor e a plenitude de defesa. ”[5]

A garantia do devido processo legal não distingue as instâncias de julgamento e não pode sofrer relativização que suprima o conhecimento das razões da parte pelo órgão competente, vez que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), em voto da lavra do Ministro Gilmar Mendes, “o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo”[6].

A aplicação de instância única no contencioso administrativo, especificamente nos processos que julgavam a aplicação da pena de perdimento, colidia com princípios basilares do sistema processual e garantias asseguradas aos jurisdicionados que compõem o devido processo legal substantivo, o contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV, da CF).

Embora a doutrina trouxesse posicionamento favorável aos anseios dos operadores do comércio exterior, por anos prevaleceu nos tribunais o entendimento de que a Constituição Federal não garantia o duplo grau na esfera administrativa. Apenas, pontualmente, Tribunais Regionais Federais reconheciam a incompatibilidade do rito de instância única administrativa na discussão da aplicação da pena de perdimento, tendo em vista, dentre outros fundamentos, a gravidade que envolve a possibilidade de a Administração expropriar a propriedade do particular[7].

Em 2013, o Brasil tornou-se signatário do Acordo de Facilitação do Comércio (AFC), internalizado por meio do Decreto nº 9.326, de 03 de Abril de 2018, que já previa em seu Artigo 4.1 que “qualquer pessoa para quem a Aduana emita uma decisão administrativa” tem o direito a um recurso admnistrativo dirigido a “uma autoridade administrativa superior ou independente da autoridade ou repartição que tenha emitido a decisão”.

Antes disso, o Brasil já havia aderido ao Protocolo de Revisão da Convenção Internacional para a Simplificação e a Harmonização dos Regimes Aduaneiros – Convenção de Quioto, concluído em Bruxelas, em 26 de junho de 1999, que previa a garantia do direito de interposição de recurso em face das decisões administrativas em matéria aduaneira.

A superação da normatividade contida no artigo 27, §4°, do Decreto-Lei n° 1.455/1976 veio com a publicação, em 13 de março de 2020, do Decreto 10.276/2020, que internalizou a Convenção de Quioto Revisada, e normatizou o compromisso do país de garantir aos cidadãos o direito a recorrer de toda e qualquer decisão em matéria aduaneira[8].

No que se refere à implementação das suas disposições, o Protocolo de Revisão da Convenção de Quioto prevê, em seu artigo 13, que cada País signatário deve aplicar as Normas do Anexo Geral e das Práticas Recomendadas dos Anexos Específicos ou seus Capítulos dentro do prazo de 36 (trinta e seis) meses após a entrada em vigor para essa Parte Contratante[9].

Em ações judiciais em que se buscava o acesso à segunda instância em discussões adminstrativas contra a aplicação de pena de perdimento, as autoridades aduaneiras brasileiras defendiam a inaplicabilidade do direito ao recurso em matéria aduaneira, pela inexistência de norma regulamentadora. Arguia-se, até o início de 2023, que ainda estaria em curso o prazo de 36 (trinta e seis) meses para a edição dessa regulamentação, sob o fundamento de que este interregno somente teria se iniciado após a publicação do Decreto nº 10.276, em março de 2020. Esse prazo expirtou em março de 2023.

Essa questão temporal foi superada, ainda que com atraso, em 23 de agosto de 2023, quando foi publicada a Lei nº 14.651/2023, que introduziu o art. 27-D ao Decreto-Lei nº 1.455/1976, para, enfim, prever que, em face da decisão que confirma a aplicação da pena de perdimento, passa a ser cabível a interposição de recurso à segunda instância administrativa.

Na mensagem de encaminhamento do Projeto de Lei nº 2.249/2023 com a proposta de alteração do Decreto-Lei nº 1.455/76, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu a mora do Brasil em regulamentar a matéria, considerando o prazo estabelecido na Convenção de Quioto Revisada e ressaltou a relevância da medida para os operadores do comércio exterior, uma vez que “amplia e fortalece o instituto do contraditório e da ampla defesa”. Confira-se:

Senhor Presidente da República, (…)

5. Ocorre que o Brasil é signatário do Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC) da Organização Mundial do Comércio (OMC), promulgado pelo Decreto nº 9.326, de 3 de abril de 2018, e da Convenção de Quioto Revisada (CQR) da Organização Mundial de Aduanas (OMA), promulgada pelo Decreto nº 10.276, de 13 de março de 2020.

6. O AFC/OMC, já vigente e aplicável no Brasil, em seu Artigo 4.1, prevê a possibilidade de “recurso administrativo a uma autoridade administrativa superior ou independente da autoridade ou repartição que tenha emitido a decisão”, como alternativa ou complemento a uma revisão judicial da decisão. A norma 10.5 do anexo geral da CQR/OMA é mais enfática, assegurando o acesso recursal administrativo a uma autoridade independente da aduana: “Quando um recurso interposto perante as Administrações Aduaneiras seja indeferido, o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira”.

7. A CQR/OMA, apesar de já estar em vigor, permitiu um prazo, no art. 13 de seu Corpo, para que os membros da OMA que a ratificaram adaptem suas legislações às normas do tratado. E, para o Brasil, tal prazo esgotou-se em 5 de dezembro de 2022. Assim, faz-se necessário estabelecer com urgência um rito processual administrativo próprio e simplificado, que garanta a dupla instância recursal, sem prejuízo à celeridade necessária para a o julgamento do litígio.

(…)

14. Diante de todo o exposto, a presente proposta preenche o requisito constitucional de relevância, especialmente porque a sua edição promoverá a adequação da legislação interna a tratados internacionais dos quais o país é signatário e garantirá a dupla instância recursal no processo administrativo de aplicação da pena de perdimento de mercadoria, veículo e moeda.

15. Em relação ao requisito constitucional de urgência, há de se considerar o prazo de 5 de dezembro de 2022 para que o Brasil adaptasse sua legislação às normas da CQR/OMA. Neste caso, e reforçando a premência na adoção da medida proposta, é imperioso ressaltar que a inexistência de lei específica desde 5 de dezembro de 2022 que preveja rito processual próprio que garanta a dupla instância recursal acarreta, além de grande insegurança jurídica, prejuízos para os operadores de comércio exterior, tendo em vista a redução de seus direitos fundamentais (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal).

16. Essas, Senhor Presidente, são as razões que justificam o encaminhamento da proposta de Medida Provisória que ora submeto a sua apreciação. – Destacou-se.

A inovação legal buscou, portanto, ao menos em tese, atender às disposições do Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC) e da Convenção de Quioto Revisada (CQR). No entanto, a regulamentação do rito administrativo e a criação do órgão responsável pelo julgamento do recurso, delegadas ao Ministério da Fazenda, subverteram toda a expectativa criada.

A Portaria nº 1.005/2023, publicada em 28 de agosto de 2023, criou, dentro da própria estrutura da Receita Federal do Brasil, o Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (CEJUL), e estabeleceu que a competência para julgar as impugnações e os recursos dos contribuintes autuados será dos Auditores Fiscais que compõem o órgão.

O julgamento em primeira instância será realizado, de forma monocrática, por Auditor Fiscal da Receita Federal integrante da Equipe Nacional de Julgamento (ENAJ), que compõe o CEJUL.

Em caso de improcedência da impugnação, a autoridade administrativa poderá, desde já, determinar a destinação da mercadoria ou do veículo, na forma do art. 29 do Decreto-Lei nº 1.455/1976, mesmo que o interessado recorra à segunda instância do CEJUL, pois, ao contrário do que dispõe o Decreto n° 70.235/1975, a Portaria não prevê que o recurso interposto terá efeito suspensivo.

O julgamento em segunda instância será realizado por uma das Câmaras Recursais do CEJUL, mediante decisão colegiada de Auditores Fiscais. As decisões dessas Câmaras são definitivas, não sendo cabível nenhum outro recurso.

É evidente que a adequação da legislação brasileira à Convenção de Quioto Revisada não garantiu o critério de independência exigido em sua Clausula 10.5:

10.5. Norma

Quando um recurso interposto perante as Administrações Aduaneiras seja indeferido, o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira.

Na prática, o recurso da parte será apreciado pelos pares daquele que, inicialmente, fiscalizou a operação de importação e aplicou a pena de perdimento, deixando de ser assegurada a independência exigida. Não há, na regulamentação do duplo grau de jurisdição, sequer uma tentativa de se aparentar independência.

Ainda que o Acordo de Facilitação do Comércio (AFC) preveja que o recurso administrativo assegurado ao contribuinte/importador seja destinado “a uma autoridade administrativa superior ou independente da autoridade ou repartição que tenha emitido a decisão”, abrindo margem à interpretação que a criação de uma instância superior seria suficiente, a Convenção de Quioto Revisada (CQR) é taxativa quando prevê a necessidade deste órgão recursal ser independente da administração aduaneira”. Desta forma, não há como o Brasil escolher cumprir apenas parcialmente os tratados dos quais é signatário (no caso, cumprir o AFC e claramente descumprir o que determina a CQR).

Na verdade, se o propósito era cumprir o que dispõem os tratados internacionais assinados pelo Brasil, não se justificava a criação de outro órgão para julgamento de matéria aduaneira, quando já se tem o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que possui competência e estrutura normativa para julgar a matéria.

A matéria aduaneira está expressamente abarcada pelo Decreto nº 70.235/1972, nos termos do inciso III do seu artigo 7º, que inclui o procedimento administrativo aduaneiro, que se inicia com o despacho aduaneiro da mercadoria importada no seu âmbito de regulação (abarcando, também, o procedimento de revisão aduaneira)[10]. Ao incluir o procedimento aduaneiro em sua regulação, o Decreto nº 70.235/1972 vincula aos seus termos todos os atos daí decorrentes, notadamente o processo administrativo contencioso, inciado com apresentação da impugnação ao auto de infração pelo contribuinte-importador, até a sede recursal no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

O próprio Regimento Interno do CARF já dispõe sobre a competência da sua Terceira Seção para processar e julgar recursos voluntários em matéria aduaneira. Veja-se:

Art. 4º. À 3ª (terceira) Seção cabe processar e julgar recursos de ofício e voluntário de decisão de 1ª (primeira) instância que versem sobre aplicação da legislação referente a:

(…)

XII – classificação tarifária de mercadorias;

XIII – isenção, redução e suspensão de tributos incidentes na importação e na exportação;

XIV – vistoria aduaneira, dano ou avaria, falta ou extravio de mercadoria; XV – omissão, incorreção, falta de manifesto ou documento equivalente, bem como falta de volume manifestado;

XVI – infração relativa à fatura comercial e a outros documentos exigidos na importação e na exportação;

XVII – trânsito aduaneiro e demais regimes aduaneiros especiais, e regimes aplicados em áreas especiais, salvo a hipótese prevista no inciso XVII do art. 105 do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966;

XVIII – remessa postal internacional, salvo as hipóteses previstas nos incisos XV e XVI, do art. 105, do Decreto-Lei nº 37, de 1966;

XIX – valor aduaneiro;

XX – bagagem; e

XXI – penalidades pelo descumprimento de obrigações acessórias pelas pessoas físicas e jurídicas, relativamente aos tributos de que trata este artigo.

Não havia lacuna normativa ou de estrutura operacional para o pleno exercício do direito à garantia ao duplo grau de jurisdição na aplicação da pena de perdimento.

Pelo contrário, existe uma consolidada normatividade que regula o processo administrativo em matéria aduaneira que deveria apenas ser aperfeiçoada, agora, para alcançar o julgamento dos processos referentes à aplicação da pena de perdimento.

A efetivação das disposições da Convenção de Quioto Revisada vem resolver uma situação teratológica existente no sistema processual tributário brasileiro, no qual o administrado tinha acesso ao CARF para recorrer de decisões proferidas em julgamentos de impugnações de autuações aduaneiras, inclusive a multa substitutiva da pena de perdimento, mas não da sanção mais gravosa que representa a expropriação do seu patrimônio.

Ou seja, a mais grave penalidade aduaneira era a única que não era objeto de análise do mais qualificado e estruturado órgão de julgamento administrativo tributário-aduaneiro, no qual contribuintes e autoridades tributárias-aduaneiras – no caso da União Federal, representada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) – podem discutir, de forma ampla e pública, os processos administrativos tributários e aduaneiros federais.

Diante da frustação provocada pela criação de um órgão que não atende ao requisito de independência exigido pelo tratado internacional, espera-se que o Ministério da Fazenda reconheça seu equívoco e valide a competência do CARF para o julgamento dos recursos interpostos em face das decisões que confirmem a pena de perdimento.

Tendo em vista a importância e especialidade da temática, alterações regimentais no CARF como a criação de uma Seção ou, ao menos, de Câmaras especializadas no julgamento das matérias aduaneiras seriam bem-vindas e eficazes para garantir a celeridade necessária na apreciação dos recursos.

Caso se mantenha o recém-criado CEJUL, é imprescindível seu aperfeiçoamento, tornando-o paritário e com uma estrutura condizente com a importância da sua competência. Só assim, restariam enfim materializados para os administrados os princípios basilares do sistema processual: devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV da CF) e encerrada essa saga com o tão esperado final feliz.


[1] Pós-graduada em Direito pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Pós-graduada em Direito pelo Centro de Atualização em Direito (CAD). Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Graduada em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

[2] Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Pós-graduada em Direito da Economia e Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

[3] Art. 27. As infrações mencionadas nos artigos 23, 24 e 26 serão apuradas através de processo fiscal, cuja peça inicial será o auto de infração acompanhado de termo de apreensão, e, se for o caso, de termo de guarda. (…)

§ 4º Após o preparo, o processo será encaminhado ao Secretário da Receita Federal que o submeterá a decisão do Ministro da Fazenda, em instância única.      

[4] AUGUSTO, Alexandre Ferrari. Limitações dos Atos Administrativos Punitivos pelos Direitos Fundamentais Individuais, Coletivos e Difusos. São Paulo: Paco Editorial, 2014. p. 219-220.

[5] ZANELLATO FILHO, Paulo José. A (in) constitucionalidade da pena de perdimento aduaneira. São Paulo: Aduaneiras, 2016. p. 95.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 2.4268/MG. Relatora: Min. Ellen Gracie, 17 set. 2004.

[7] ADMINISTRATIVO. PENA DE PERDIMENTO DE BENS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DECRETO-ART. 27 DO LEI Nº 1.455/76. DECISÃO IRRECORRÍVEL.  OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

1.Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de a Agravante ter seu recurso apreciado em instância administrativa superior, a despeito de a antecedente impugnação ter sido considerada intempestiva nos termos do artigo 27 do Decreto-Lei nº 1.455/76 – ensejando assim a aplicação da pena de perdimento das mercadorias importadas, oriundas da China, por suposta interposição fraudulenta.

2. In casu, constam das informações trazidas pela autoridade impetrada que a autuada, ora apelante, foi cientificada do auto de infração em 16 de outubro de 2009 e apresentou impugnação em 10 de novembro de 2009, ou seja, foi apresentada de forma intempestiva, aplicando-se o disposto no §1° do art. 27, do Decreto-Lei n° 1.455/76, em razão da intempestividade da impugnação apresentada.

3. A aplicação ao contencioso administrativo em uma única instância, conforme dispõe o artigo 27, § 4°, do Decreto-Lei n° 1.455/76, encontra-se em claro descompasso com a Constituição Federal, na medida em que não respeita as garantias que foram estendidas ao processo administrativo – devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

4. O STF, no RE n° 389.383 -SP, cujo tema central era a exigência do depósito de 30% para interposição de recurso voluntário perante o INSS, reviu seu posicionamento quanto ao direito ao duplo grau de jurisdição em processos administrativos e declarou inconstitucional a aludida exigência, precisamente por reconhecer o direito de defesa, do duplo grau de jurisdição e devido processo legal naquela instância.

5. Apelo provido. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível 0013927-12.2012.4.03.6105. Relator: Marcelo Mesquita Saraiva, 02 fev. 2021.

[8] APÊNDICE I – CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA A SIMPLIFICAÇÃO E A HARMONIZAÇÃO DOS REGIMES ADUANEIROS (Convenção de Quioto Revisada)

PREÂMBULO

RECONHECENDO que a simplificação e a harmonização referidas poderão ser obtidas nomeadamente pela aplicação dos seguintes princípios: (…)

– abertura às partes interessadas de vias de recurso administrativo e judicial facilmente acessíveis; e (…)

APÊNDICE II – CAPÍTULO 10 – RECURSOS EM MATÉRIA ADUANEIRA A. DIREITO DE RECURSO

10.1. Norma

A legislação nacional deverá prever o direito de recurso em matéria aduaneira.

10.2. Norma

Qualquer pessoa que seja diretamente afetada por uma decisão ou omissão das Administrações Aduaneiras terá o direito de interpor recurso.

10.3. Norma

A pessoa diretamente afetada por uma decisão ou omissão das Administrações Aduaneiras deverá, após ter apresentado um pedido às Administrações Aduaneiras, ser informada dos fundamentos dessa decisão ou omissão dentro do prazo fixado pela legislação nacional. Poderá, subsequentemente, interpor ou não recurso.

10.4. Norma

A legislação nacional deverá prever um direito de recurso em 1ª instância perante as Administrações Aduaneiras.

10.5. Norma

Quando um recurso interposto perante as Administrações Aduaneiras seja indeferido, o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira.

10.6. Norma

Em última instância, o requerente deverá ter direito de recurso para uma autoridade judicial.

[9] Artigo 13.  Implementação das disposições

1. Cada Parte Contratante procederá à aplicação das Normas do Anexo Geral e dos Anexos Específicos ou seus Capítulos que tenha aceitado dentro do prazo de 36 meses após a sua entrada em vigor para essa Parte Contratante.

2. (…)

3. Cada Parte Contratante procederá à aplicação das Práticas Recomendadas dos Anexos Específicos ou seus Capítulos, que tenha aceitado dentro do prazo de 36 meses após a sua entrada em vigor para essa Parte Contratante, a menos que tenha formulado reservas relativamente a uma ou mais dessas Práticas Recomendadas.

[10] Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: 

I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto;

II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros;

III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.