Compliance e integridade

Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) como instrumento de fomento à inovação, ciência e tecnologia por entidades privadas

Luis Gustavo Miranda de Oliveira[1]

Rayssa de Castro Alves[2]

INTRODUÇÃO

A interligação entre inovação, ciência, tecnologia, pesquisa e produção de conhecimento é o motor que impulsiona o progresso humano. E o progresso científico muitas vezes não é meramente incremental, ele ocorre a partir de rupturas e do descontentamento com paradigmas existentes que não conseguem responder de forma adequada aos problemas apresentados[3].

À medida que a sociedade avança no século XXI, a sinergia e complementariedade entre esses elementos se torna cada vez mais essencial para enfrentar desafios complexos e alcançar avanços significativos. A inovação surge da aplicação criativa do conhecimento científico, muitas vezes catalisada por avanços tecnológicos, e, por sua vez, gera novas oportunidades para a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias de ponta. Esse ciclo virtuoso alimenta a capacidade de se compreender o mundo, melhorar a qualidade de vida e enfrentar os desafios globais, como saúde, energia, meio ambiente e muito mais. Portanto, explorar o impacto interconectado desses elementos é fundamental para traçar um futuro de progresso e descobertas sem limites.

Nesse contexto de interação entre inovação, ciência, tecnologia, pesquisa e produção de conhecimento, as Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICT) desempenham um papel crucial. As ICTs servem como catalisadoras para a promoção e facilitação dessa interligação, fornecendo infraestrutura, recursos e ambiente propício para a pesquisa científica de ponta e o desenvolvimento de tecnologias inovadoras. Elas também atuam como centros de formação de talentos, preparando a próxima geração de cientistas, engenheiros e pesquisadores que impulsionarão a inovação no futuro. Além disso, as ICTs frequentemente colaboram com o setor privado, estabelecendo parcerias que transformam a pesquisa acadêmica em produtos e serviços comercializáveis, o que contribui para o progresso econômico e social.

Em síntese, as ICTs são peças-chave em todo o mundo na engrenagem que impulsiona o avanço da sociedade por meio da pesquisa, da tecnologia e da produção de conhecimento.

As ICTs possuem sólidos fundamentos constitucionais e legais. De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 218, o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. Desde então, surgiram iniciativas legislativas relevantes neste sentido, dentre elas a Lei de Inovação (Lei Federal nº 10.973/2004).

A Lei de Inovação Brasileira foi inspirada na Lei de Inovação Francesa e no Bayh-Dole Act Americano e pode ser definida como “um arcabouço jurídico-institucional voltado ao fortalecimento das áreas de pesquisa e da produção de conhecimento no Brasil, em especial da promoção de ambientes cooperativos para a produção científica, tecnológica e da inovação no país” [4]. Atualmente, existem limitações nessa estrutura, o que impulsiona a busca por novas alternativas que viabilizem o desenvolvimento científico e tecnológico.

O principal desafio da Lei de Inovação foi superar uma lacuna cultural brasileira que espera que o desenvolvimento científico e tecnológico do país seja desenvolvido a partir de universidades, enquanto aos setores de produção caberia apenas incorporar e usufruir do conhecimento produzido[5].

Em outros países, o desenvolvimento científico e tecnológico pode ser concebido a partir das relações entre as universidades, empresas e a sociedade, por meio de ações de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) focadas nas necessidades e anseios das comunidades regionais e até do próprio mercado. Portanto, os recursos para financiamento das pesquisas no exterior possuem origem tanto pública quanto privada, voltados para resolver problemas concretos e elaborar soluções que possam auxiliar o progresso econômico e social do país[6].

Ao longo deste artigo, será apresentada uma nova orientação para o contexto nacional de pesquisa, desenvolvimento e inovação que conta com a participação de universidades, empresas e a sociedade, o que favorece o desenvolvimento de novos conhecimentos, um posicionamento mais relevante do Brasil no cenário internacional e a redução da dependência nacional de tecnologias estrangeiras. É um contexto que indica que o Sistema Nacional de Inovação Brasileiro tem buscado seguir uma trajetória que combina recursos públicos e privados em iniciativas de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Inseridas neste sistema, estão as chamadas ICTs que passam a ser definidas no tópico a seguir.

1. DEFINIÇÃO DE ICT

Um ponto relevante da Lei de Inovação foi a criação da chamada Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT), inicialmente definida como órgão ou entidade da administração pública que tinha por missão institucional a execução de atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico e tecnológico, como universidades e institutos de pesquisa públicos.

Em 2016, foi promulgado o Marco Legal da Inovação (Lei Federal nº 13.243/2016) que atualizou a Lei de Inovação e buscou desburocratizar o ambiente jurídico para as ICTs no país, facilitando o processo de organização e financiamento de projetos de pesquisa e inovação no Brasil. Uma das novidades foi a ampliação do conceito de ICT para outras entidades, como instituições de direito privado sem fins lucrativos, abrangendo e oficializando importantes entes que já faziam parte do Sistema Nacional de Inovação e que produzem pesquisa e geram inovações de grande impacto nacional[7].

Desta forma, a definição atual de ICT está no art. 2º, inciso V da Lei de Inovação, com a seguinte redação:

V – Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT): órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua missão institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos;

Assim, no âmbito do ecossistema da inovação, é possível conceber diferentes tipos de estruturas, cenários e arranjos. Como exemplo, as universidades e centros de pesquisa possuem limitações de orçamento e recursos, mas podem desempenhar papel cada vez mais estratégico e relevante em defesa do interesse nacional, como também para cobertura de espaços não preenchidos por outras fontes de pesquisa. Oferecem, ainda, um espaço livre para pesquisas.

Por sua vez, uma empresa pode criar departamento(s) ou área(s) interna(s) voltadas para PD&I, com foco em desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos. Neste formato, a área depende de planejamento, liderança, alocação de pessoas e recursos para operar.

Porém, também é possível desenvolver iniciativas de PD&I por meio da constituição de uma pessoa jurídica com propósito específico de realizar pesquisa, desenvolvimento e inovação. Tal entidade pode ter vinculação estatutária, institucional ou societária com a “empresa mãe” ou ter vida própria e independente.

A ICT Privada parte da definição prevista na Lei de Inovação que regula a figura de uma pessoa jurídica que deverá atender determinados requisitos: 

  1. Ser pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos;
  2. Constituída sob as leis brasileiras;
  3. Ter sede e foro no Brasil;
  4. Ter como missão institucional, objetivo social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos.

Por haver exigência de ser uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, a ICT Privada tende a ser constituída sob a forma de associação ou fundação. A escolha por um ou outro modelo depende da análise das finalidades almejadas pelos seus fundadores. Caso seja constituída como pessoa jurídica com fins lucrativos, ou seja, em formato de sociedade simples ou empresária (sociedade limitada ou por ações), ainda que desenvolva pesquisa básica ou aplicada de caráter científico, tecnológico ou desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos, não poderá ser reconhecida como efetiva ICT nem terá disponíveis todos os benefícios para fins da Lei de Inovação.

2. BENEFÍCIOS DA ICT

A constituição de uma ICT Privada pode trazer benefícios para diferentes stakeholders.

Primeiramente, para o próprio ecossistema de inovação. A ICT estabelece um ambiente voltado especificamente para pesquisa e inovação, em que tais atributos constituem atividade-fim, verdadeira razão de existir da entidade. Desta forma, ampliam-se as possibilidades de produção de conhecimento para além das universidades e também em benefício de empresas.

Comparando-se a atuação de uma ICT e a atuação de departamentos de inovação de empresas, os projetos de pesquisa em uma ICT podem ser orientados pela política, programas e linhas de pesquisa, desenvolvimento e inovação previamente definidos. No âmbito de empresas, o PD&I tende a possuir escopo delimitado e voltado para busca de resultados da empresa, por exemplo, com novos produtos, processos, redução de custos, entre outros. Em razão da limitação de recursos, projetos mais disruptivos, de resultado incerto, estruturantes e/ou de longo prazo tendem a ter maior dificuldade de manutenção no âmbito de empresas do que em ICTs. Ou seja, projetos de pesquisa que não se revelam atrativos ou oportunos no âmbito de empresas podem se revelar interessantes para desenvolvimento em ICTs.

Christensen, como exemplo, aborda o desafio enfrentado pelas empresas em um ambiente em constante evolução tecnológica[8]. Na visão do autor, as empresas líderes muitas vezes falham em se adaptar a mudanças disruptivas. O foco excessivo em melhorias incrementais nos produtos existentes pode levar as empresas a ignorar oportunidades de mercado emergentes. Com uma análise detalhada de várias indústrias, o autor ilustra como empresas de sucesso, paradoxalmente, podem se tornar vítimas de sua própria complacência ao não reconhecerem a necessidade de abraçar a inovação disruptiva. Assim, é necessário abrir espaços para avançar em um mundo de inovação constante que desafia a sabedoria convencional sobre estratégia de negócios.

Com uma estrutura que incentiva e tem foco em inovação, é possível construir uma cultura mais voltada para o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções disruptivas, ainda que com resultado e prazos de duração incertos. E mais, tal ambiente desperta o interesse de pesquisadores e acadêmicos que não estão dispostos a trabalhar no típico ambiente corporativo.

Enquanto o ambiente corporativo oferece seus próprios processos de planejamento e orçamento, alçadas, definição de prioridades, tomadas de decisão e controles, tendo os orçamentos com pesquisa e desenvolvimento competindo com outras rubricas que podem ser consideradas prioritárias, nos ICTs todos os processos, planejamento, orçamento, alçadas, definição de prioridades, tomadas de decisão e controles são voltados para as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, podendo ser estruturados com métodos ágeis que favorecem o ambiente de inovação. Além disso, pode-se estruturar uma governança mais ágil para tomada de decisões, abandonando a estrutura tradicional tipicamente corporativa.

As ICTs Privadas são muito ligadas ao mundo e ao ambiente acadêmico e podem reter mais talentos voltados para pesquisa e inovação do que as tradicionais carreiras disponíveis no mundo corporativo, além de estar em posição privilegiada para capacitar esse tipo de mão de obra.

A captação de recursos também recebe tratamento diferenciado pela Lei de Inovação, com a previsão de vários instrumentos de estímulos à inovação, como a subvenção econômica, o financiamento, a participação societária, o bônus tecnológico, a encomenda tecnológica, os incentivos fiscais, a concessão de bolsas, os fundos de investimentos e de participação, os títulos financeiros, a previsão de investimentos via contratos de concessão de serviços públicos ou regulações setoriais, entre outros[9].

Ainda, a ICT está em posição privilegiada para firmar parcerias com entes públicos, universidades, parques e polos tecnológicos, entre outros, o que favorece uma relação mais próxima com a academia, com as necessidades do mercado e a realização de pesquisas em conjunto. As ICTs Privadas, por exemplo, podem firmar parcerias com universidades para compartilhamento de laboratórios, equipamentos e até pesquisadores. Podem também compartilhar seus próprios laboratórios, equipamentos e pesquisadores com universidades e centros de pesquisa.

Desta forma, a ICT tem alto potencial de produção de propriedade intelectual, desde a publicação de artigos científicos, mas também desenvolvimento de produtos, softwares, patentes, serviços e outras contribuições para a inovação nacional, podendo receber royalties das suas descobertas. Isto porque as remunerações de ICTs Privadas, em virtude de transferência de tecnologia e licenciamento para uso ou exploração de suas criações, bem como a oriunda de pesquisa, desenvolvimento e inovação, são necessárias para manutenção de suas atividades, inclusive linhas de pesquisas que não se sustentam financeiramente. Como toda entidade sem fins lucrativos, não há impedimento para que tenha receitas, desde que não tenha finalidade lucrativa. Neste sentido, parece pacificado o entendimento da hipótese da entidade sem fins lucrativos que busca receitas necessárias para manutenção e desenvolvimento de suas atividades[10]. E outra hipótese é da sociedade empresária que apura e distribui os resultados de suas operações na forma de lucros ou dividendos aos seus sócios.

Ou seja, a ICT Privada pode contribuir com o ecossistema de inovação regional e nacional, agregando com pesquisa, corpo técnico, estruturas físicas, novos produtos, tecnologias, parcerias, investimentos, disseminação de saber, entre outros.

Como se não bastassem as vantagens indicadas acima, a legislação também busca fomentar e incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias por meio de benefícios fiscais, com é o caso da Lei de Informática (Lei nº 8.248/1991) e da Lei do Bem (Lei 11.196/2005).

Assim, uma empresa pode perceber benefícios tributários da contratação de ICT Privada para desenvolvimento de pesquisa, tornando a posição da ICT ainda mais vantajosa. Tal benefício representa importante incentivo ao desenvolvimento de pesquisa, desenvolvimento e inovação por meio das ICTs.

Os dados estatísticos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) de 2023 demonstram que, desde a promulgação da Lei do Bem, os benefícios foram utilizados por mais de 5.000 empresas, estimulando investimentos de mais de R$ 100 bilhões em tecnologia e inovação no Brasil[11].

3. UM PANORAMA DAS ICTS NO BRASIL E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO NACIONAL

As instituições privadas sem fins lucrativos voltadas para as atividades de pesquisa, inovação e desenvolvimento começaram a surgir bem antes da Lei de Inovação, ganhando o status de ICTs após o Marco Legal de Inovação.

A Venturus, por exemplo, foi criada pela Nokia em 1995[12], sendo referência em tecnologia, com soluções focadas na experiência e sucesso do usuário por meio de diferentes tecnologias, como mobile, cloud, inteligência artificial, data analytics, web, cibersegurança e design. Com mais de 700 colaboradores espalhados por todo o país, declara existirem mais de 100 milhões de celulares com tecnologia Venturus circulando pelo mundo inteiro, com códigos produzidos pela ICT nas principais plataformas de compras online do país e nas maquininhas de pagamentos usadas diariamente no mercado. Também atua com mobilidade elétrica, nos serviços de indústrias e soluções digitais no campo.

Além de ser credenciada junto ao Comitê da Área de Tecnologia da Informação e Comunicação (CATI)[13] do MCTI, está entre os principais institutos aptos a receber incentivos da Lei de Informática, Lei do Bem e outros fundos setoriais.

O Instituto Eldorado nasceu em 1997, por iniciativa da Motorola. Ele atua nas áreas de software, hardware, microeletrônica, ensaios e testes, educação e consultoria, criando e executando projetos e soluções com foco em tecnologia e inovação. Possui mais de mil colaboradores atuando em unidades distribuídas pelo Brasil, localizadas em Brasília/DF, Campinas/SP, Manaus/AM e Porto Alegre/RS[14].

A Fit Instituto de Tecnologia foi criada em 2003 pela Flextronics, estando credenciada junto ao CATI e ao Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia (CAPDA) do Ministério da Economia. Ela desenvolve tecnologias inovadoras em hardware, software e automação para clientes globais e promove aceleração de ideias de produtos desde a concepção até a comercialização.

A Fit está localizada em Sorocaba/SP, Jaguariúna/SP e Manaus/AM, tendo investido mais de R$ 200 milhões em pesquisa e desenvolvimento nos últimos 5 anos, com mais de 50 projetos desenvolvidos, em parcerias com universidades e centros de PD&I nacionais e internacionais e conta com mais de 500 profissionais (entre desenvolvedores, arquitetos, designers, engenheiros, doutores, pesquisadores e especialistas)[15].

O SiDi nasceu em 2004 por iniciativa da Samsung Brasil, com foco em desenvolvimento de soluções de software com base em inteligência artificial, nuvem, segurança e cibernética. Está localizada em Campinas/SP, Manaus/AM e Recife/PE e tem credenciamento para desenvolvimento de projetos com base na Lei de Informática, Lei do Bem, Suframa, P&D ANEEL, Rota 2030 e Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural de Biocombustíveis (ANP)[16].

Conforme estudo realizado em 2021[17], verificou-se que as ICTs Privadas atuam, em sua maioria, no meio da cadeia de inovação, entre a pesquisa básica das universidades e o desenvolvimento final de produtos pelas empresas. Elas estariam mais voltadas para o desenvolvimento da prova de conceito e na prototipagem das inovações.

Também foi apurado que as ICTs Privadas que participaram do estudo produziram mais de 2.200 projetos de PD&I até 2020, obtendo receita de R$ 1,5 bilhão, com 73% de uso de recursos da Lei da Informática e 28% com uso de recursos da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

As ICTs Privadas estão presentes em todas as regiões do país, empregam mais de 7.400 pessoas e 95% dos projetos foram desenvolvidos no Brasil, o que indica potencial de expansão internacional.

Embora as ICTs Privadas atendam clientes de mais de 30 setores, a maioria se concentra no setor de “Tecnologia da Informação, Produtos Eletrônicos e Ópticos”.

Em termos de impacto, foi possível verificar que as ICTs Privadas afetam diretamente a economia, atuando tanto como agentes econômicos quanto por meio das tecnologias geradas. Em termos indiretos, produzem impacto por meio dos fornecedores presentes na cadeia de valor. E, de forma induzida, com o consumo permitido pelos empregos gerados.

A pesquisa apurou, ainda, que a receita gerada por meio de atividades de PD&I, produzidas tanto por ICTs quanto por empresas, entre 2018 e 2020 foi superior a R$ 24,7 bilhões, com adição à economia de R$ 6,2 bilhões com base nas atividades das ICTs, tecnologia e conhecimento produzidos. Foram arrecadados R$ 5,9 bilhões de tributos, seja nas esferas federal, estadual e municipal, com mais de 159,9 mil empregos gerados, tanto pelas ICTs quanto terceirizados e profissionais com dedicação parcial.

Em termos de propriedade intelectual, foram produzidos mais de 1.600 artigos técnico-científicos, mais de 290 dissertações, mais de 20 teses, mais de 100 patentes requeridas e mais de 50 patentes concedidas.

A conclusão do estudo foi no sentido de que as ICTs Privadas realizam enorme contribuição para a economia e a PD&I nacional, o que ajuda na alavancagem de competitividade de empresas no país.

CONCLUSÃO

Partindo de um modelo presente em outros países, a iniciativa privada pode realizar contribuições ainda mais relevantes para o cenário de pesquisa, desenvolvimento e inovação nacional. A promulgação da Lei de Inovação e do Marco Legal de Inovação foi importante para ampliar o impacto das ICTs Privadas na economia, mas ainda há muito a que ser feito nos próximos anos, inclusive para desenvolvimento da consciência de que existem novas alternativas para desenvolvimento de pesquisa e inovação no Brasil.

Naturalmente, mais do que a simples constituição, os resultados gerados pelas ICTs privadas são consequência de um intenso trabalho de planejamento estratégico que abrange a avaliação de diferentes cenários de estruturação, avaliação de benefícios, custos e eventuais riscos. É resultado também da constituição de um ambiente mais atrativo para pesquisadores, para retenção de talentos e para desenvolvimento de novos conhecimentos fora da estrutura tradicional corporativa e das universidades. Como visto, as ICTs se inserem em um espaço não alcançado pelas universidades e pelas empresas.

No contexto de planejamento de uma nova ICT, deve-se avaliar como se dará o processo de governança corporativa, abrangendo tanto os processos decisórios, quanto a gestão de projetos, a captação de recursos, a manutenção de superávit, a sustentação em princípios éticos, como da integridade, transparência (respeitados os sigilos que são inerentes às pesquisas), equidade, responsabilidade e sustentabilidade[18], compatibilizando a nova entidade com o ecossistema de inovação.

As ICTs Privadas permitem a conexão entre Estado, academia e empresas, o desenvolvimento de pesquisa, inovação e tecnologias, a geração de riquezas, a troca de informações, a produção científica, a alta qualificação e a valorização de pesquisadores, entre outros, de modo que suas contribuições não podem ser ignoradas e possuem o potencial de aumentar a competitividade do Brasil no cenário internacional de inovação. O potencial criativo da sociedade brasileira, o ecossistema de inovação, a competitividade do Brasil perante outros países e o próprio desenvolvimento da academia ganham muito com o desenvolvimento das ICTs Privadas no Brasil.


[1] Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Mestre em Administração pela FEAD; MBA em Direito da Economia e de Empresa pela Fundação Getúlio Vargas.

[2] Pós-graduanda em Direito, Tecnologia e Inovação pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Pós-graduada em Advocacia Empresarial e Compliance pela Escola Superior de Advocacia (ESA). Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).

[3] KUHN, Thomas.  A estrutura das revoluções científicas São Paulo: Perspectiva, 1975.

 KUHN, Thomas. What are scientific revolutions? In: ______. The road since structure. Chicago: The University of Chicago Press, 2000. p. 13-32.

[4] RAUEN, Cristiane Vianna. O novo marco legal da inovação no Brasil: o que muda na relação ICT-Empresa? IPEA, n. 43, fev. 2016. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6051/1/Radar_n43_novo.pdf. Acesso em: 22 nov. 2023.

[5] VETTORATO, Jardel Luís. Lei de inovação tecnológica: os aspectos legais da inovação no Brasil. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 3, n. 3, set. 2008. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/ revistadireito/article/view/7016/4235. Acesso em: 22 nov. 2023.

[6] Ibid.

[7] RAUEN, Cristiane Vianna. O novo marco legal da inovação no Brasil: o que muda na relação ICT-Empresa? IPEA, n. 43, fev. 2016.

[8] CHRISTENSEN, Clayton M. The Innovator’s Dilemma: when new technologies cause great firms to fail. Harvard Business Review Press, 1997. Disponível em: https://www.hbs.edu/faculty/Pages/item.aspx?num=46. Acesso em: 22 nov. 2023.

[9] Lei de Inovação, art. 19. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as ICTs e suas agências de fomento promoverão e incentivarão a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços e processos inovadores em empresas brasileiras e em entidades brasileiras de direito privado sem fins lucrativos, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura a serem ajustados em instrumentos específicos e destinados a apoiar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, para atender às prioridades das políticas industrial e tecnológica nacional.

[…]

§ 2º-A. São instrumentos de estímulo à inovação nas empresas, quando aplicáveis, entre outros: I – subvenção econômica; II – financiamento; III – participação societária; IV – bônus tecnológico; V – encomenda tecnológica; VI – incentivos fiscais; VII – concessão de bolsas; VIII – uso do poder de compra do Estado; IX – fundos de investimentos; X – fundos de participação; XI – títulos financeiros, incentivados ou não; XII – previsão de investimento em pesquisa e desenvolvimento em contratos de concessão de serviços públicos ou em regulações setoriais.

[…]

§ 6º As iniciativas de que trata este artigo poderão ser estendidas a ações visando a: I – apoio financeiro, econômico e fiscal direto a empresas para as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica; II – constituição de parcerias estratégicas e desenvolvimento de projetos de cooperação entre ICT e empresas e entre empresas, em atividades de pesquisa e desenvolvimento, que tenham por objetivo a geração de produtos, serviços e processos inovadores; III – criação, implantação e consolidação de incubadoras de empresas, de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação; IV – implantação de redes cooperativas para inovação tecnológica; V – adoção de mecanismos para atração, criação e consolidação de centros de pesquisa e desenvolvimento de empresas brasileiras e estrangeiras; VI – utilização do mercado de capitais e de crédito em ações de inovação; VII – cooperação internacional para inovação e para transferência de tecnologia; VIII – internacionalização de empresas brasileiras por meio de inovação tecnológica; IX – indução de inovação por meio de compras públicas; X – utilização de compensação comercial, industrial e tecnológica em contratações públicas; XI – previsão de cláusulas de investimento em pesquisa e desenvolvimento em concessões públicas e em regimes especiais de incentivos econômicos; XII – implantação de solução de inovação para apoio e incentivo a atividades tecnológicas ou de inovação em microempresas e em empresas de pequeno porte.

§ 7º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão utilizar mais de um instrumento de estímulo à inovação a fim de conferir efetividade aos programas de inovação em empresas.

§ 8º Os recursos destinados à subvenção econômica serão aplicados no financiamento de atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação em empresas, admitida sua destinação para despesas de capital e correntes, desde que voltadas preponderantemente à atividade financiada.

[10] Na definição de Aires F. Barreto e Paulo Ayres Barreto, é instituição sem fins lucrativos toda entidade que não tenha por objetivo distribuir os seus resultados, nem o de fazer retornar seu patrimônio às pessoas que a instituíram. (BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar. São Paulo: Dialética, 1999. p. 23.)

Conforme Jeferson Teodorovicz e Thais de Laurentiis, “No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, restou consolidado o entendimento que a renda decorrente do aluguel de imóvel pertencente à fundação sem fins econômicos e lucrativos, em sendo revertida às suas atividades próprias, autorizam os plenos efeitos da imunidade [2]. Esse entendimento, inclusive, ficou consolidado na Súmula 724 e depois reforçado na Súmula Vinculante nº 52 do Supremo Tribunal Federal [3].

Noutro giro, confimou-se que enquanto a própria Constituição não proíba a cobrança por serviços realizados por entidade filantrópica ou sem fins lucrativos, a manutenção da imunidade exige apenas que esses recursos sejam integralmente aplicados na conservação dos seus próprios objetivos institucionais, sem distribuição de lucros.” “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo 760.876 SE. Relator: Ministro Dias Toffoli. STF, 2014. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5568351. Acesso em: 22 nov. 2023). Nesse aspecto, veja-se a Tese de Repercussão Geral: “A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da CF/88 aplica-se aos bens imóveis, temporariamente ociosos, de propriedade das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos que atendam os requisitos legais”. Tese definida no RE 767.332 RG. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 767.332 MG. Relator: Ministro Gilmar Mendes. STF, 2013. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4904092. Acesso em: 22 nov. 2023).

[11] DINO. MCTI divulga dados de crescimento da Lei do Bem. Valor Econômico, 08 mar. 2023. Disponível em: https://valor.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2023/03/02/mcti-divulga-dados-de-crescimento-da-lei-do-bem.ghtml. Acesso em: 22 nov. 2023.

[12] VENTURUS. Quem Somos. Venturus, [s.d.]. Disponível em: https://www.venturus.org.br/quem-somos/. Acesso em: 28 set. 2023.

[13] O Comitê da Área de Tecnologia da Informação (CATI) foi criado pelo art. 21 do Decreto nº 3.800/ 2001 e instalado no dia 07/02/2002 em Brasília pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. Suas atividades estão relacionadas à gestão dos recursos destinados a atividades de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação, oriundos dos investimentos realizados pelas empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços de informática e automação que fizeram jus a benefícios fiscais previstos na Lei de Informática. É composto por representantes do governo, instituições de fomento à pesquisa e inovação, comunidade científica e setor empresarial, cuja designação foi formalizada por intermédio da Portaria MCT nº 20, de 9 de janeiro de 2002. BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Portaria MCT nº 20, de 9 de janeiro de 2002. MCTI, 2002. Disponível em: https://antigo.mctic.gov.br/mctic/opencms/legislacao/portarias/migracao/Portaria_MCT_n_20_de_09012002.html. Acesso em: 22 nov. 2023.

[14] INSTITUTO ELDORADO. O Instituto. Instituo Eldorado, c2023. Disponível em: https://www.eldorado.org.br/o-eldorado/.  Acesso em: 28 set. 2023.

[15] INSTITUTO DE TECNOLOGIA. O Instituto. Fit Tecnologia, [s.d.]. Disponível em: https://www.fit-tecnologia.org.br/sobre/o-instituto.  Acesso em:  28 set. 2023.

[16] SIDI. Sobre Nós. SiDi, [s.d.]. Disponível em: https://www.sidi.org.br/sobre-nos/. Acesso em: 28 set. 2023.

[17] INSTITUTO ELDORADO. Eldorado participa de estudo inédito sobre o impacto socioeconômico dos ICTs Privados no Brasil. Instituto Eldorado, 03 jan. 2022. Disponível em: https://www.eldorado.org.br/noticia/eldorado-participa-de-estudo-inedito-sobre-o-impacto-socioeconomico-dos-icts-privados-no-brasil/.  Acesso em: 28 set. 2023.

[18] Tais princípios correspondem aos princípios da Governança Corporativa, conforme a 6ª edição do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa em 2023.