Ambiental

Estratégias de mercado para descarbonização da União Europeia - desafios e oportunidades para o Brasil

Thiago Pastor[1]

Vivian Marcondes[2]

Leandro Eustaquio[3]

1. O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE BRASIL E UNIÃO EUROPEIA

O século XIX é conhecido como o período dos Estados-nação, com controle de território e estabelecimento das codificações. O século XX, por sua vez, deu vazão ao surgimento das organizações internacionais intergovernamentais[4], caso da Liga das Nações, da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na 2ª metade do século XX, surgem os organismos internacionais regionais de integração econômica, mais conhecidos como blocos econômicos.[5]

Há diversas formas de composição de blocos econômicos, com níveis distintos de integração, a começar pela menor delas, as zonas de livre comércio, passando pela união aduaneira[6], para o mercado comum (ex. Mercosul) e por fim, para a União Econômica e Monetária (Ex. União Europeia – UE).[7]

A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA[8]), da qual se originou a UE, e o Mercosul possuem relações diplomáticas desde 1960. Desde então, a relação entre essas partes se consolidou[9] e alguns acordos foram firmados: Assinatura do Acordo de Cooperação Institucional entre o Conselho Mercado Comum do Mercosul e a Comissão Europeia firmado em 1992 e o Acordo-Quadro de Cooperação Inter-regional Mercosul-Comunidade Europeia em 1995[10].   

A UE é o segundo principal parceiro comercial do Brasil, sendo responsável por 15% do seu comércio total, perdendo apenas para a Argentina. Já o Brasil é o décimo segundo maior parceiro comercial da UE, sendo responsável por 1,5 % do comércio total da União Europeia[11].

Visando fortalecer as relações econômicas entre o Mercosul e a UE, em junho de 2019, em Bruxelas, foi anunciada a elaboração de um possível Acordo Comercial entre os dois blocos.[12] Esse acordo possui ampla abrangência temática, tratando não apenas do comércio de bens e serviços entre os blocos, mas também de matérias relacionadas à propriedade intelectual, licitações públicas e investimentos estrangeiros.

O pacto ainda deve ser encaminhado para aprovação no Conselho da União Europeia e no Parlamento Europeu. No Mercosul, o instrumento precisará ser aprovado em cada um dos países membros. Encerrados esses trâmites, o acordo poderá entrar em vigência.

Juntos, o enlace entre o Mercosul e União Europeia resultaria em uma das maiores áreas de livre-comércio da atualidade[13]. O intuito é remover, após um período de transição de 15 anos, o imposto de importação dos bens comercializados sobre 91% dos produtos que as empresas da UE exportam para o Mercosul e sobre 92% dos produtos do Mercosul exportados para a UE. [14]

Atualmente, apenas 24% das exportações brasileiras entram no mercado europeu livre de entraves tributários e dos 1.101 produtos que o Brasil tem condições de exportar para a União Europeia, 68% enfrentam tarifas de importação.

Percebe-se que o maior país da América do Sul possui uma relação comercial saudável com a União Europeia, fruto de diversos acordos firmados ao longo do tempo. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é tratar de uma possível nova relação econômica entre Brasil e União Europeia face às mudanças climáticas.

Para isso, analisaremos o impacto das mudanças climáticas no comércio internacional de forma geral e as ações de descarbonização adotadas pela União Europeia. Também serão comentados os exemplos de ações climáticas específicas adotadas pela União Europeia que afetam o comércio brasileiro, nominalmente o Carbon Border Adjustment Mechanism e a nova regulação sobre produtos fruto de desmatamento (Deforestation Regulation), bem como os possíveis futuros desafios e oportunidades das empresas frente a essa realidade.

2. MUDANÇAS CLIMÁTICAS, COMÉRCIO INTERNACIONAL E METAS DE DESCARBONIZAÇÃO

Como indica a World Trade Organization[15], as mudanças climáticas representam uma ameaça grave, e potencialmente irreversível, para as pessoas, os ecossistemas, a saúde pública e a economia global. Especificamente para o comércio internacional, diversos são os impactos esperados, como: interrupções na cadeia de abastecimento, escassez de recursos: diminuição da produtividade agrícola; aumento da procura e diminuição da oferta de energia; riscos financeiros e de seguros; e disputas políticas e comerciais.[16]

De forma a tentar mitigar os efeitos das mudanças climáticas, bem como estabelecer métodos de adaptação, em 2015 foi assinado o Acordo de Paris. Nele, países se comprometeram a definir e alcançar metas de redução de emissões e adaptação através de suas contribuições determinadas a nível nacional (National Determined Contributions, NDC sigla em inglês). Essa abordagem individualizada de metas de ação climática das NDCs é conhecida como “bottom-up” (de baixo para cima, em português).[17]

A estratégia bottom-up permite que países estruturem suas ações climáticas com base em suas circunstâncias econômicas, capacidades e prioridades nacionais. Dentro dessa realidade, espera-se que os países desenvolvidos[18] assumam a liderança na redução de emissões e no fornecimento de apoio financeiro e tecnológico aos países em desenvolvimento. Os países em desenvolvimento, por outro lado, são encorajados a tomar medidas que sejam consistentes com suas prioridades.

Nesse cenário, os países do continente europeu, em sua maioria países desenvolvidos, têm se colocado na vanguarda do desenvolvimento de metas de zero emissão (net zero pledges) e respectivas políticas de ações climáticas para atingir tal objetivo. Como exemplo, podemos citar Alemanha, Inglaterra (Reino Unido), Holanda e União Europeia.

2.1 Alemanha

A Alemanha tem trabalhado ativamente no seu compromisso de alcançar uma economia com emissões líquidas zero de carbono, pretendendo alcançar a neutralidade climática até 2045. Para tanto, o país possui estratégias voltadas para a redução de emissões de setores-chave como o de energia, transporte e industrial.

A maior potência econômica europeia é conhecida pela sua política Energiewende, que envolve uma mudança significativa em direção a fontes de energia renováveis, como eólica, solar e biomassa. Nesse sentido, a Alemanha planeja eliminar gradualmente o carvão até 2038, ao mesmo tempo que deseja expandir a utilização de energias renováveis na sua matriz energética.

No setor de transportes, o país tem a proposta de promover a mobilidade elétrica, investindo em infraestruturas de estações de carregamento e incentivando a compra de veículos eléctricos para reduzir as emissões do sector.

Já no setor industrial, a nação mais rica da União Europeia está investindo em tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) para reduzir as emissões de indústrias que são mais difíceis de descarbonizar (hard-to-abate sector).

2.2 Inglaterra, Reino Unido

O Reino Unido tem sido pioneiro na definição de objetivos climáticos ambiciosos e estratégias de descarbonização, comprometendo-se legalmente[19] a reduzir 100% suas emissões de GEE, em relação aos níveis de 1990, até 2050. A fim de cumprir tal meta, o governo do Reino Unido publicou a “Net Zero Strategy: Build Back Greener[20] definindo políticas e propostas para descarbonizar todos os setores da sua economia.

Em 2020, o governo inglês desenvolveu um plano de dez pontos[21] para alcançar a revolução industrial verde. O plano se concentra em aumentar a ambição de desenvolvimento das seguintes áreas: (i) avanço da energia eólica offshore; (ii) impulsionar o crescimento do idrogênio de baixo carbono; (iii) fornecer energia nuclear nova e avançada; (iv) acelerar a mudança para veículos urbanos com emissão zero; (v) desenvolvimento de aviões e navios de emissão zero; (vi) construção de edifícios mais verdes; (vii) investir na captura, uso e armazenamento de carbono; (viii) proteger o meio ambiente natural; (ix) crescimento de financiamento verdes e inovação.

Como suporte para alcançar estes objetivos, o governo irá mobilizar 12 bilhões de libras. Espera-se que o financiamento privado seja três vezes superior a esse montante.

2.3 Holanda

A Holanda também tem o seu próprio conjunto de estratégias para alcançar emissões líquidas zero. Alguns dos principais aspectos são:

  1. Acordo Climático: Os Países Baixos têm um Acordo Climático que descreve medidas para alcançar uma redução de 49% nas emissões de gases com efeito de estufa até 2030, em comparação com os níveis de 1990.
  2. Energia Renovável: Tal como outros países, os Países Baixos estão aumentando a utilização de fontes de energia renováveis, com planos para ter 70% da eletricidade gerada a partir de fontes renováveis até 2030.
  3. Mudanças Agrícolas: Dada a importância da agricultura nos Países Baixos, o país está a concentrar-se em práticas agrícolas sustentáveis para reduzir as emissões deste sector.
  4. Preço do carbono: Os Países Baixos empregam um mecanismo de preço do carbono para incentivar a redução das emissões em vários setores.
  5. Captura e Armazenamento de Carbono (CCS): O país está investindo em tecnologias CCS para capturar e armazenar as emissões de carbono das indústrias.

2.4 União Europeia (UE)

Em 2019, o Parlamento Europeu aprovou sua resolução sobre mudanças climáticas, o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal)[22] – “uma estratégia europeia, com visão de longo prazo, para uma economia próspera, moderna, competitiva e com neutralidade climática em acordo com o Acordo de Paris”. O objetivo da resolução é reduzir as emissões da UE em pelo menos 55% até 2030[23], chegando a emissões zero até 2050.

Visando alcançar a meta de redução de 55% até 2030, a UE propôs o pacote chamado Fit for 55. O pacote de propostas visa proporcionar um quadro coerente e equilibrado para alcançar os objetivos climáticos da UE e que:

  • garanta uma transição justa e socialmente equitativa;
  • mantenha e reforce a inovação e a competitividade da indústria da UE, garantindo simultaneamente condições de concorrência equitativas em relação aos operadores económicos de países terceiros;
  • sustente a posição da UE como líder na luta global contra as alterações climáticas.

As principais ações e projetos dentro do pacote são: o mercado de carbono regulado europeu (EU emissions trading system), o fundo social para o clima[24], e o carbon border adjustment mechanism (CBAM).

3. MECANISMOS CLIMÁTICOS DE MERCADO DA UNIÃO EUROPEIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O BRASIL

3.1 CBAM

Como descrito, a União Europeia possui metas robustas de descarbonização, sendo que no último ano a UE criou uma nova iniciativa climática. A pretensão é rever os padrões de comércio global para favorecer países onde a produção é relativamente eficiente em relação ao carbono, com o Mecanismo de Ajuste de Carbono Fronteiriço (CBAM – sigla em inglês).

O CBAM exigirá que os importadores de certos bens com utilização intensiva de carbono paguem uma taxa sobre as suas importações, que corresponderá ao preço do carbono embutido na produção das indústrias da União Europeia submetidas ao Regime de Comércio de Emissões da UE (EU ETS – sigla em inglês).[25] Atribuindo-se, assim, o mesmo preço do carbono pago pelas empresas da UE aos produtores estrangeiros.

A lógica do mecanismo é evitar a “fuga de carbono”, que ocorreria se as reduções de emissões de GEE alcançadas pelo EU-ETS fossem compensadas por setores que transferissem suas operações para jurisdições fora do âmbito do sistema de mercado regulado de carbono e/ou por empresas que deixassem de produzir e aumentassem as suas importações de outras jurisdições. Nesses casos, não haveria uma verdadeira redução de emissões, perdendo-se o princípio principal das metas net zero, qual seja, evitar o aumento da temperatura global.

O Parlamento Europeu e o Conselho concordaram que o regulamento CBAM entraria em vigor em 1 de outubro de 2023, quando se iniciaria um período de transição de três anos. Nesse primeiro intervalo apenas serão aplicáveis obrigações de comunicação, ou seja, os importadores deverão apresentar um relatório CBAM.

Essas informações deverão incluir: (i) a quantidade de cada tipo de bem expressa em megawatts-hora ou toneladas; (ii) emissões incorporadas totais sujeitas a clarificação nos atos de execução da Comissão e (iii) qualquer preço do carbono devido no país de origem pelas emissões incorporadas nos bens importados, tendo em conta descontos e outras formas de compensação.

Decorrido o período de transição, o CBAM será gradualmente introduzido, ao mesmo ritmo que as licenças gratuitas do EU-ETS são paulatinamente eliminadas. Nesse primeiro momento, o CBAM é aplicável para as seguintes mercadorias e serviços: ferro, aço, cimento, fertilizantes, alumínio, produção de hidrogênio e eletricidade.

A partir de 2026, serão concedidos créditos CBAM para se importar produtos carbono-intensivos.  Os valores terão como base o preço médio semanal (em €/tonelada de CO2 emitido) da concessão de licenças do EU ETS.  

Naturalmente, uma visão positiva sobre o mecanismo não é pacífica. A Agência da Organização das Nações Unidas, Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), apelou à UE para que considerasse os possíveis impactos negativos da medida.

Alegou o organismo da ONU que o mecanismo cortaria apenas 0,1% das emissões globais de CO2 e que seu impacto econômico poderia recair de forma desproporcional sobre os países em desenvolvimento. Como exemplo, a ONU afirma que com um imposto de 44 dólares por tonelada de CO2, os países desenvolvidos veriam sua renda aumentar em 1,5 bilhões de dólares, enquanto a receita nos países em desenvolvimento cairia em 5,9 bilhões de dólares.[26]

Não se descarta também a possibilidade de países em desenvolvimento exigirem que, caso a UE aplique as sanções administrativas visando reduzir emissões de GEE e evitar o carbon leakage, que também sejam cumpridas as metas de financiamento climático acordadas no âmbito do Acordo de Paris. O argumento decorre da responsabilidade comum que os países têm em relação às Mudanças Climáticas.

3.2 Regulação de Desmatamento da UE (EU Deforestation Regulation – EUDR)

Além das medidas explicitamente inseridas no pacote Fit for 55 descritas acima, que tem como objetivo principal a redução de emissões de GEE, a UE também aprovou outros mecanismos comerciais que indiretamente atingem o mesmo resultado. Cite-se a Regulação de Desmatamento da UE (EUDR – sigla em inglês).

Em junho de 2023, foi aprovada no Parlamento Europeu a regulação que obriga algumas empresas a realizar processos de diligência na cadeia de valor, garantindo que seus produtos não geraram desmatamento recente, degradação florestal ou violações das leis ambientais e sociais locais.[27] A regulamentação valerá para aqueles que comercializam gado, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e madeira, bem como produtos derivados destas mercadorias.

A partir de 30 de dezembro de 2024 (ou 30 de junho de 2025 para micro ou pequenas empresas), será proibido colocar produtos relevantes no mercado da UE ou exportá-los da UE, a menos que sejam: (i) ‘livre de desmatamento’; (ii) produzidos de acordo com a legislação pertinente do país de produção; e (iii) possuam uma declaração de due diligence indicando, no máximo, um risco insignificante de não conformidade[28].

Segundo o Parlamento Europeu, o desmatamento e a degradação florestal contribuem para a crise climática global de diversas formas, principalmente por aumentarem as emissões de GEE, mas também por gerarem prejuízos ambientais, econômicos e sociais.[29]

De acordo com Relatório Anual de Desmatamento (RAD 2022) do MapBiomas[30], no Brasil, ao longo de um período de quatro anos (de 2019 a 2022), foram relatados mais de 303 mil casos de desmatamento, abrangendo uma área total de 6,6 milhões de hectares. Durante o ano de 2022, a área desmatada no Brasil aumentou em 22,3%.[31]

No caso brasileiro, o desmatamento e a alteração de uso do solo são a principal causa das emissões de GEE, além de representar ameaça significativa ao meio ambiente e à biodiversidade.  Conforme indicado no relatório do SEEG/Observatório do Clima[32], em 2021 o Brasil registrou as emissões mais altas de CO2 desde 2005.

Diante da realidade de emissões do Brasil e a dificuldade nacional em evitar o alargamento do desmatamento ilegal, a nova regulação europeia deve impactar de forma intensa o mercado nacional.

Ao longo dos anos, o Brasil tem sofrido com pressões diplomáticas, manifestações de preocupação e até mesmo ameaças de boicote a produtos nacionais por países que exigem padrões ambientais elevados[33]. Isso causa impacto direto nas exportações, prejudicando e desvalorizando a reputação do Brasil como produtor de commodities agrícolas e pecuárias. Os países que importam essas mercadorias vêm valorizando, cada vez mais, produtos provenientes de cadeias de suprimentos sustentáveis.

Outro reflexo notável do desmatamento ilegal no Brasil é a diminuição da assistência internacional. Em 2019, após o Brasil não cumprir com o acordo de preservação ambiental vinculado ao Fundo Amazônia, houve bloqueio de repasses por parte de Alemanha e Noruega, os principais financiadores do fundo. A assistência financeira e técnica internacional destinada à conservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável no Brasil foi diretamente afetada pela falta de comprometimento brasileiro com a preservação ambiental. As contribuições ao Fundo apenas foram retomadas em 2023.[34]

Em uma nota positiva, o Brasil tem tentado mostrar para a comunidade internacional que está disposto a mudar sua realidade de desmatamento. Em 2021, durante a COP 26, em Glasgow, o Brasil apresentou sua meta atual de zerar o desmatamento ilegal até 2028.

Para alcançar esse objetivo, o governo brasileiro lançou, em 2023, a quinta fase do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Este plano estabelece mais de 130 metas a serem cumpridas até 2027, algumas com indicadores detalhados, como a fiscalização de 30% das áreas desmatadas ilegalmente.

O programa está estruturado em quatro frentes principais: monitoramento, controle ambiental e ordenamento fundiário e territorial, promoção de atividades produtivas sustentáveis e criação de instrumentos normativos e econômicos destinados a reduzir o desmatamento e concretizar as ações dos demais eixos.[35]

No Contexto da 5ª fase do PPCDAm, com a aprovação de novas diretrizes e critérios para aplicação de recursos do Fundo Amazônia em julho de 2023, o Governo Federal anunciou[36] a possibilidade de Municípios receberem recursos para reduzir o desmatamento. 

Isso acabou sendo regulamentado em 5 de setembro do corrente ano, com a publicação do Decreto Federal nº11.687/2023, que dispõe sobre as ações relativas à prevenção, ao monitoramento, ao controle e à redução de desmatamento e degradação florestal no Bioma Amazônia, com vistas à proteção de áreas ameaçadas de degradação e à racionalização do uso do solo.

O Decreto prevê a edição anual de uma lista de Municípios localizados na Amazônia Legal considerados prioritários para as ações em questão e institui um Programa com objetivo de apoiar financeiramente as cidades na prevenção, no monitoramento, no controle e na redução dos desmatamentos e da degradação florestal.

Dentre outras ações, o novo texto legal determina algumas restrições na concessão de crédito por parte das agências oficiais federais de financiamento. Elas não poderão aprovar crédito para serviço ou atividade comercial ou industrial de empreendimento de pessoa física ou pessoa jurídica que tenha incorrido em infrações ambientais relativas a aquisição, intermediação, transporte ou comércio de produto ou subproduto de origem animal ou vegetal produzido sobre área objeto de embargo ou sobre área objeto de desmatamento irregular, localizada no interior de unidade de conservação.

Ainda no contexto da 5ª fase do PPCDAm, o Governo Federal publicizou[37] a retomada do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), outra ação para assegurar recursos para apoiar projetos, estudos e empreendimentos voltados à redução de emissões de gases de efeito estufa e à adaptação aos efeitos da mudança do clima.

Ao fim e ao cabo, o combate eficaz ao desmatamento ilegal requer uma abordagem ampla, em especial levando em conta as peculiaridades existentes no Brasil. Quais são as métricas que serão utilizadas? Quem fará a análise delas? Haverá um “double-checking”?  Os complexos problemas aqui apontados precisam de soluções ponderadas e refletidas.  

É crucial restaurar a confiança da capacidade nacional de atingir suas promessas de acabar com o desmatamento ilegal e suas metas nas NDCs e preservar as relações internacionais do Brasil. A gestão responsável dos recursos naturais não apenas beneficia o ambiente, mas também contribui para a manutenção de uma posição positiva na arena internacional. As oportunidades são inúmeras.

Em uma perspectiva similar, o Brasil pode se aproveitar desta nova realidade comercial do CBAM e utilizá-la para estimular seu próprio desenvolvimento. Por exemplo, a normatização de um mercado de carbono regulado[38] no Brasil colocaria os produtos brasileiros em vantagem, já que, para países com sistemas de precificação de carbono, o valor do CBAM será ajustado na importação. Enquanto isso, para países sem precificação, seus produtos estarão sujeitos a pagamento de preço do carbono equivalente ao que teria sido pago se a produção ocorresse na União Europeia.            

Em suma, ao analisar as discussões acerca do desenvolvimento de políticas de descarbonização, o que se observa é que a realidade do mercado internacional, independentemente das regulações europeias, se volta para o futuro inevitável da transição da economia para uma de baixo carbono. Nesse sentido, deve haver um planejamento estratégico em todos setores econômicos brasileiros, bem como atualização das políticas públicas, para se adaptarem a essa nova realidade.


[1] Executive LLM em Direito Empresarial pelo CEU Law School. Professor da disciplina “Direito Ambiental e Energia” no LLM em Direito da Energia e Negócios do Setor Elétrico no Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN).

[2] LL.M. em Direito e Políticas Ambientais pela Stanford Law School. LL.M. em Direito da Energia pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Pós-graduada em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

[3] Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas). Pós-graduado em Direito Municipal pela Universidade de Alfenas (Unifenas). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG).

[4] Organizações Internacionais – também chamadas de Organizações Intergovernamentais – são grupos formados por países que estabelecem acordos e tratados a fim de promover relações benéficas nos âmbitos econômico, social e político (dentre outros) para todos os envolvidos.

[5] Os blocos econômicos são formas de cooperação econômica entre países, instituídos com o objetivo de alcançar benefícios comerciais mútuos, através da integração, colaboração e facilitação do fluxo de bens serviços, investimentos e pessoas.

[6] São exemplos de blocos de União Aduaneira:  Comunidade Andina (CAN), Comunidade das Caraíbas (CARICOM), Comunidade da África Oriental (EAC), Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC), a União Aduaneira Eurasiática (EACU) e a União Aduaneira da União Europeia (EUCU).

[7] Criada em 1992 com a assinatura do tratado de Maastricht, a União Europeia atualmente conta com 30 países membros, em uma região com uma população de quase 450 milhões de habitantes, aproximadamente 5,7% da população mundial e um produto interno bruto (PIB) de muitos trilhões de euros.

[8] COMUNIDADE EUROPEIA DO CARVÃO E DO AÇO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2022. Disponível em: https://w.wiki/8Bdm. Acesso em: 17 nov. 2023.

[9] BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. União Europeia. MRE, 3 nov. 2022. Disponível em https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/relacoes-bilaterais/todos-os-paises/uniao-europeia. Acesso em: 17 nov. 2023.

[10] Durante todo o período houve encontros entre o governo brasileiro e a UE, com os presidentes dos países e/ou mesmo da própria instância comunitária, reuniões que envolveram entre funcionários de alto escalão, com debate de temas diversos: energia, desenvolvimento sustentável, relações comerciais e mais recentemente, mudanças climáticas.

[11] UNIÃO EUROPEIA. Delegação da União Europeia no Brasil. A União Europeia e o Brasil – Relações Comerciais. EEAS, 2 ago. 2021. Disponível em https://www.eeas.europa.eu/brazil/uni%C3%A3o-europeia-e-o-brasil-rela%C3%A7%C3%B5es-comerciais_pti?s=191. Acesso em: 17 nov. 2023.

[12] UNIÃO EUROPEIA. Comissão Europeia. EU-Mercosur Trade Agreement. Disponível em: https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/mercosur/eu-mercosur-agreement_en. Acesso em: 17 nov. 2023.

[13] Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), com a implementação do acordo o incremento do PIB brasileiro poderá ser de US$ 87,5 bilhões a US$ 125 bilhões em 15 anos. Já os investimentos no Brasil, no mesmo período, poderão ver um aumento na ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações brasileiras para a UE poderão apresentar quase US$ 100 bilhões de ganhos até 2035. Para mais informações ver: https://www.gov.br/siscomex/pt-br/acordos-comerciais/mercosul-uniao-europeia.

[14] Serão eliminadas as tarifas aduaneiras de 92% dos bens exportados pelo Mercosul para a UE e de 91% dos produtos exportados da UE para o Mercosul.

[15] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. World Trade Report 2022: Climate change and international trade. Disponível em: https://www.wto.org/english/res_e/publications_e/wtr22_e.htm. Acesso em: 17 nov. 2023.

[16] Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) – “Special Report on Global Warming of 1.5°C” (2018): World Trade Organization (WTO) – “Trade and Climate Change” (2010); United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) – “Trade and Environment Review 2013: Wake Up Before It’s Too Late”; World Bank – “Shock Waves: Managing the Impacts of Climate Change on Poverty” (2016); United Nations Environment Programme (UNEP) – “Emissions Gap Report”.

[17] A abordagem bottom-up reflete um afastamento da abordagem top-down (topo para baixo, em português) dos acordos climáticos anteriores, como o Protocolo de Quioto, onde as metas de redução de emissões eram frequentemente definidas a nível internacional e depois atribuídas aos países. A abordagem bottom-up permite uma maior flexibilidade e apropriação por parte de cada país, o que é importante para promover uma ampla participação e uma implementação eficaz das ações climáticas.

[18] O Acordo de Paris não lista explicitamente os países desenvolvidos, referindo-se apenas ao conceito de países do “Anexo I”, que provém da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) e dos seus acordos anteriores. Os países do Anexo I são geralmente considerados as nações desenvolvidas ou industrializadas que foram historicamente responsáveis por uma parte significativa das emissões de gases com efeito de estufa que causam as alterações climáticas. A distinção entre países do Anexo I (desenvolvidos) e países não incluídos no Anexo I (em desenvolvimento) foi estabelecida para refletir a responsabilidade histórica e econômica pelas alterações climáticas, bem como a capacidade para enfrentá-las. No entanto, vale a pena notar que o Acordo de Paris pretende afastar-se de uma diferenciação estrita entre Anexo I e não-Anexo I e passa a enfatizar o princípio de “responsabilidades comuns porém diferenciadas “. Isto significa que, embora se espere que os países desenvolvidos assumam a liderança nas reduções de emissões e forneçam apoio financeiro e tecnológico, espera-se que os países em desenvolvimento também tomem medidas dentro da sua capacidade e circunstâncias.

[19] REINO UNIDO. Parlamento Britânico. Mission zero: Independent review of net zero. House of Lords Library, 20 jan. 2023. Disponível em: https://lordslibrary.parliament.uk/mission-zero-independent-review-of-net-zero/. Acesso em: 17 nov. 2023.

[20] REINO UNIDO. Department for Energy Security and Net Zero. Net Zero Strategy: Build Back Greener. 19 out. 2021. Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/net-zero-strategy. Acesso em: 17 nov. 2023.

[21] REINO UNIDO. Department for Energy Security and Net Zero. The ten point plan for a green industrial revolution. 18 nov. 2020. Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/the-ten-point-plan-for-a-green-industrial-revolution. Acesso em: 17 nov. 2023.

[22] UNIÃO EUROPEIA. Parlamento Europeu. European Parliament resolution of 14 March 2019 on climate change: a European strategic long-term vision for a prosperous, modern, competitive and climate neutral economy in accordance with the Paris Agreement. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-8-2019-0217_EN.html. Acesso em: 17 nov. 2023.

[23] UNIÃO EUROPEIA. Conselho Europeu. Conselho Europeu, 15-16 de outubro de 2020. Conselho Europeu, 22 out. 2021. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/meetings/european-council/2020/10/15-16/. Acesso em: 17 nov. 2023.

[24] A proposta do fundo social para o clima visa abordar o impacto social e distributivo do novo sistema de comércio de licenças de emissão para edifícios e transportes rodoviários.

[25] Regime de Comércio de Emissões, Emission Trading System, em inglês, é o mercado regulado de carbono da União Europeia.

[26] NAÇÕES UNIDAS. Impacto econômico de novo mecanismo climático da União Europeia é maior em países em desenvolvimento. 2021. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/136125-impacto-econ%C3%B4mico-de-novo-mecanismo-clim%C3%A1tico-da-uni%C3%A3o-europeia-%C3%A9-maior-em-pa%C3%ADses-em. Acesso em: 20 nov. 2023.

NAÇÕES UNIDAS.  Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. A European Union Carbon Border Adjustment Mechanism: Implications for developing countries. Disponível em: https://unctad.org/publication/european-union-carbon-border-adjustment-mechanism-implications-developing-countries. Acesso em: 20 nov. 2023.

[27] UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (EU) 2023/1115. Relativo à disponibilização no mercado da União e à exportação para fora da União de determinados produtos de base e produtos derivados associados à desflorestação e à degradação florestal e que revoga o Regulamento (UE) n.o 995/2010. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32023R1115. Acesso em: 20 nov. 2023.

[28] Toda empresa que quiser exportar os produtos identificados na regulação no mercado da UE terá primeiro de enviar uma declaração de devida diligência à autoridade nacional competente, através de um sistema de informação específico a ser estabelecido pela Comissão Europeia. Sendo que autoridades nacionais terão competência para realizar vistorias e confirmar compliance com as regras.

[29] (1) “Forests provide a broad variety of environmental, economic and social benefits, including timber and non-wood forest products and environmental services essential for humankind, as they harbour most of the Earth’s terrestrial biodiversity.” (3). “Deforestation and forest degradation contribute to the global climate crisis in multiple ways. Most importantly, they increase greenhouse gas emissions through associated forest fires, permanently removing carbon sink capacities, decreasing the climate change resilience of the affected area and substantially reducing its biodiversity and resilience to diseases and pests. Deforestation alone accounts for 11 % of greenhouse gas emissions as stated in the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) special report on climate change and land of 2019.”

[30] Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/2023/06/12/desmatamento-nos-biomas-do-brasil-cresceu-223-em-2022/.

[31] Disponível em: http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/prodes.

[32] OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa. Emissões totais. Disponível em: https://plataforma.seeg.eco.br/total_emission. Acesso em: 20 nov. 2023.

[33] SUPERMERCADOS europeus ameaçam boicote ao Brasil por desmatamento. G1, 5 maio 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/05/05/supermercados-do-reino-unido-ameacam-parar-de-comprar-do-pais.ghtml. Acesso em: 6 set. 2023.

[34] NEGRÃO, Heloísa. Após Alemanha, Noruega também bloqueia repasses para Amazônia. El Pais, 15 ago. 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/15/politica/1565898219_277747.html. Acesso em: 20 nov. 2023.

[35] BEATRIZ, Anna. Governo lança plano para zerar desmatamento da Amazônia. Agência Pública, 5 jun. 2023. Disponível em: https://apublica.org/2023/06/lula-e-marina-lancam-plano-com-caminhos-para-zerar-desmatamento-da-amazonia-ate-2030/. Acesso em: 20 nov. 2023.

[36] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICIPIOS. Municípios agora podem apresentar projetos e receber recursos do Fundo Amazônia. CNM, 31 jul. 2023. Disponível em https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/municipios-agora-podem-apresentar-projetos-e-receber-recursos-do-fundo-amazonia. Acesso em: 20 nov. 2023.

[37] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Governo Federal relança Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. Gov.BR, 24 ago. 2023. Disponível em https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2023/agosto/governo-federal-relanca-fundo-nacional-sobre-mudanca-do-clima. Acesso em: 20 nov. 2023.

[38] O Projeto de Lei 412/2022 trata do mercado regulado do carbono no Brasil. Até a publicação deste artigo, o PL ainda seria analisado pela Câmara dos Deputados.