Tributário

Breve retrospecto da tributação dos serviços de telecomunicações no brasil

Daniela Gregório Rodrigues Rocha de Paiva[1]

Francine Cássia Bento Fernandes[2]

Manuela Britto Mattos[3]

INTRODUÇÃO: SÍNTESE DO DESENVOLVIMENTO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL DESDE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Nessa introdução serão destacados alguns marcos evolutivos do setor de telecomunicações no Brasil, desde a Constituição Federal de 1988 (CF/88). Na sequência, adentraremos as incidências tributárias mais específicas que recaem sobre o setor (ICMS-Comunicação; CIDEs, Fundos Setoriais e Taxas do FISTEL), visando apresentar um breve panorama das controvérsias de maior relevo travadas perante os Tribunais.

A CF/88 estabelecia que a exploração dos serviços de telecomunicações estava restrita às empresas sob o controle acionário da União, disposição que prevaleceu até a entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) nº 08/95, a partir da qual a União passou a ter a outorga de concessões, autorizações e permissões para a exploração do serviço de telecomunicações.

A desestatização do setor de telecomunicações estava inserida num contexto mais amplo de concentração de esforços da Administração Pública nas atividades em que a presença do Estado fosse fundamental, e da noção de que a iniciativa privada poderia contribuir com maior eficiência, especialmente em vista das limitações do Sistema Telebrás.

A sociedade de economia mista Telecomunicações do Brasil S/A (Telebrás), teve sua criação prevista na Lei nº 5.792/72, sendo constituída por uma subsidiária em cada Estado, formando o chamado Sistema Telebrás. Apesar de ter contribuído para retirada da telefonia brasileira da precariedade, no final da década de 80 o Sistema Telebrás já apresentava sinais de esgotamento, especialmente em razão da sua política tarifária, fixada no intuito de conter o processo inflacionário e sem expectativa de lucros para os prestadores do serviço. A ausência de concorrência, dentre outros aspectos, também contribuiu para a constatação de esgotamento do modelo e reconhecimento da necessidade de reformas.

A Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1998, a chamada Lei Geral de Telecomunicações (LGT), trouxe a previsão de criação da Agência Geral de Telecomunicações (Anatel); regulamentou a outorga de concessões, autorizações e permissões para a exploração do serviço de telecomunicações; e tratou da reestruturação e a desestatização das empresas federais de telecomunicações.

Constituíram objetivos desse processo de desestatização, ainda nos termos da LGT, garantir à população o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas; estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira; adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários; fortalecer o papel regulador do Estado; criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo; criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País. Pela Lei nº 14.173/2001, ainda foi acrescentado o objetivo relativo à criação de condições para ampliação da conectividade e da inclusão digital, priorizando a cobertura de estabelecimentos públicos de ensino.

Não há dúvidas do amplo papel das telecomunicações no desenvolvimento das mais diversas áreas, sendo que essa importância apenas cresce cada vez mais, exponencialmente, sendo um grande desafio para a legislação, em especial a tributária, acompanhar a evolução dos tipos e modelos de serviços prestados pelo setor.

Como marcos para efetivação das privatizações cite-se o Plano Geral de Outorgas do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (Decreto nº 2.534/98, posteriormente revogado pelo Decreto nº 6.654/08), que trouxe a divisão do território brasileiro em regiões, de modo que cada operadora atuasse em uma delas. Já pelo Decreto nº 2.546/98, foi provado o modelo de reestruturação e desestatização das empresas do Sistema Telebrás, e pelo Decreto nº 2.617/98 foi permitida a participação de empresas estrangeiras na prestação dos serviços de telecomunicações no Brasil. A etapa seguinte foi a realização do leilão de privatização das empresas do Sistema Telebrás, bem como de leilão das autorizações para a exploração da telefonia no país, a fim de que houvesse concorrência para as empresas privatizadas.

Observa-se atualmente uma contínua redução da importância do chamado Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), que, conforme o Decreto nº 6.654/08, é o serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia. As modalidades do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral são: serviço local, serviço de longa distância nacional e serviço de longa distância internacional.

Em paralelo, verifica-se o avanço cada mais acelerado das tecnologias relacionadas à telefonia móvel (Serviço Móvel Pessoal – SMP), serviço prestado em regime privado, baseado nos princípios constitucionais da atividade econômica, conforme o artigo 126 da LGT. Nesse regime, em regra, a oferta de serviços nas regiões do país depende de interesse comercial das prestadoras.

A tecnologia das redes móveis é baseada em radiofrequência, emitida e recebida por Estações Rádio Base (ERB), que respondem por áreas geográficas específicas e estão conectadas às redes de telefonia móvel e fixa. A depender da área em que se localiza, e da potência do sinal, celulares e computadores conseguem captar uma ou outra rede, sendo que para nomear essas redes utiliza-se o ‘G’, que remete à palavra geração, e o número indicando a versão[4].

Foi a segunda geração de tecnologias móveis, 2G, que trouxe a telefonia digital para as comunicações móveis e introduziu pequenas taxas de transmissão de dados, que permitiram a transmissão de pequenos arquivos, ringtones e mensagens de texto. Já o 3G foi a primeira tecnologia que permitiu o uso de dados no celular semelhante ao nível de uma conexão de banda larga fixa em um computador, permitindo o início do desenvolvimento das lojas de aplicativos e novos ramos da economia digital. O 4G aumentou a velocidade em relação à geração anterior, e o usuário começou a ter a possibilidade de estar conectado em uma rede de alta velocidade durante todo o tempo, viabilizando o avanço de diversos serviços no ambiente virtual, como plataformas de entrega de comidas, veículos para transporte, além do amplo compartilhamento de conteúdo em redes sociais. Finalmente, o 5G deverá trazer mudanças ainda mais inovadoras, permitindo aplicações comerciais – como em carros autônomos, cirurgias remotas, sensores em parque industrial, entre outras –, e incrementando o avanço da chamada Internet das Coisas[5].

Se na prática os serviços de telecomunicações experimentam uma evolução tecnológica acelerada, a Administração Fazendária e os Tribunais ainda possuem dificuldades com conceitos há muito trazidos pela legislação pertinente. É o caso, por exemplo, dos serviços de valor adicionado (SVA), definidos juridicamente pela LGT um como serviço distinto daqueles de comunicação, mas sobre cuja tributação ainda há controvérsias.

Os SVA adicionam novas utilidades aos serviços de telecomunicações, sendo o caso, por exemplo, de serviços de VOIP, de armazenamento de dados na nuvem; de licença de uso de software antivírus, de streaming. Todos esses exemplos correspondem a serviços bastante difundidos e comumente usufruídos por grande parte dos usuários dos serviços de telecomunicações, sendo que a evolução da tecnologia das redes móveis tem permitido o crescimento cada vez mais acelerado dos SVA, inclusive em detrimento dos serviços de telecomunicação, o que traz problemáticas em relação à correspondente diminuição da base de cálculo do ICMS-Comunicação.

Feito esse breve retrospecto do desenvolvimento do setor de telecomunicações desde a CF/88, serão apresentadas a seguir as principais incidências tributárias que recaem sobre os serviços de telecomunicações, e também algumas das principais controvérsias enfrentadas pelos Tribunais em torno do tema.

1. A TRIBUTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES E A JURISPRUDÊNCIA NO BRASIL

1.1. ICMS-Comunicação: principais controvérsias

A prestação de serviços de comunicação é hipótese de incidência tributária do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), conforme previsão do artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988, com regulamentação pela Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir).

Nesse sentido, a LC nº 87/96, em seu artigo 2º, inciso III, define que o ICMS incide sobre “prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”, limitando as hipóteses materiais da incidência do ICMS-Comunicação.

No entanto, com a constante e rápida evolução do setor de telecomunicações no Brasil, com novas tecnologias, conforme abordado no tópico anterior, as discussões sobre o conceito de serviço de comunicação para fins de tributação pelo ICMS ocupam posição de destaque na jurisprudência pátria.

Cada vez mais o setor de telecomunicações se mostra não somente de grande importância, mas como um fator essencial para o desenvolvimento econômico-social de uma região, ao passo que, atualmente, os serviços prestados por esse setor não se restringem apenas à mera comunicação por meio de telefonia, mas também ao acesso à internet e à tecnologia.

E para que esses avanços ocorressem, as empresas de telefonia, inicialmente limitadas apenas à telefonia fixa, expandiram os seus serviços, para trazer maiores benefícios e comodidades aos usuários, além de acompanhar o próprio desenvolvimento tecnológico global e a necessidade de modernização.

Com isso, surgiram novos serviços que agregam valor e utilidades à prestação do serviço de telefonia em si, seja na modalidade fixa ou móvel, como é o caso dos serviços de valor adicionado, dos serviços que constituem atividade-meio para a prestação do serviço de telecomunicação, e até mesmo a locação de aparelhos, como celulares, modens e chips, aos usuários.

Porém, o desenvolvimento do setor não trouxe apenas benefícios, mas também verdadeiros desafios ao legislador, às Fazendas Estaduais e às empresas de telecomunicações na busca pela definição da natureza de cada serviço prestado, principalmente para fins de tributação pelo ICMS. E qual seria, então, a definição de serviço de comunicação?

Atualmente, a LGT estabelece em seu artigo 60 o conceito do serviço de telecomunicação como sendo “o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação”.

O conceito de telecomunicação, por sua vez, foi concebido como “a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.

Conforme os ensinamentos do Professor Roque Carrazza[6], pode-se dizer, portanto, que, a prestação de serviços de telecomunicação pressupõe a existência de alguns requisitos, quais sejam, uma mensagem, o emissor dessa mensagem e seu receptor, devendo ambas as partes serem perfeitamente identificadas, além da necessidade de a mensagem ser compreendida por ambos através do mesmo canal comunicativo.

Já em relação aos serviços de valor adicionado, a própria LGT, em seu artigo 61, tratou de defini-los como “a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”, estabelecendo expressamente que “serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações”.

Ou seja, os serviços de valor adicionado, ou serviços suplementares, são aqueles que modificam ou suplementam um serviço básico de telecomunicação, sendo oferecidos em conjunto com o serviço de telecomunicação, mas com ele não se confundindo por não haver nenhuma relação comunicativa.

Igualmente vale detalhar o que seriam as atividades-meio, que constituem atividades de caráter preparatório, necessárias para que o serviço de comunicação seja colocado à disposição do usuário. Essas atividades são independentes de qualquer serviço de telecomunicação, possuindo uma remuneração específica cobrada pela operadora de telefonia. Nesse caso, não há intermediação de mensagens entre um emissor e um receptor, mas sim tarefas intermediárias ao serviço de comunicação.

Ou seja, desde a promulgação da LGT, em 16/07/1997, o legislador tratou de definir os conceitos de serviços de telecomunicações e de serviços de valor adicionado.

No entanto, em 29/06/1998, foi publicado, pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), o Convênio ICMS nº 69/98, assinado por todos os Estados da Federação, pelo qual determinaram a inclusão, na base de cálculo do ICMS-Comunicação, dos valores cobrados a título de prestação de “serviços suplementares e facilidades adicionais que otimizem ou agilizem o processo de comunicação, independentemente da denominação que lhes seja dada”.

Desse modo, diante da clara afronta das disposições do Convênio ICMS nº 69/98 ao quanto delimitado pelas Constituição Federal, LC nº 97/96 e LGT, além das diversas autuações lavradas pelas Secretarias de Fazenda Estaduais, não restou outra alternativa aos contribuintes (as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações) senão levar o tema para apreciação pelo Poder Judiciário.

A esse respeito, a jurisprudência dos Tribunais Superiores se consolidou no sentido de que a atividade considerada como prestação de serviço de comunicação deve ter um fim em si mesma, deve ser autônoma. Todos os demais atos relacionados que, per se, não são capazes de suprir a necessidade do usuário, mas que se conjugam para fornecer a utilidade pretendida, são serviços meramente instrumentais.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou a jurisprudência sobre o tema nos autos do Recurso Especial Repetitivo nº 1.176.753[7], representativo de controvérsia (nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973), determinando que os serviços complementares, conexos e preparatórios, configuram atividade-meio à prestação de serviços de telecomunicação, e não podem ser confundidos com a “atividade-fim processo de transmissão (emissão ou recepção) de informações de qualquer natureza”.

O referido precedente decidiu, então, de maneira definitiva, que sobre esses serviços não há a incidência do ICMS-Comunicação, sendo essa orientação expressamente estendida também para a locação de aparelhos aos usuários[8].

Seguindo a mesma linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou pela inconstitucionalidade da incidência do ICMS-Comunicação sobre as atividades-meio, complementares ou preparatórios do serviço de comunicação, tendo em vista que tais serviços são “disponibilizados de sorte a assegurar ao usuário a possibilidade do uso do serviço de comunicação, configurando aqueles tão somente atividades preparatórias destes”[9].

Não restam dúvidas, portanto, de que, tanto a legislação, quanto a jurisprudência pátria, delimitaram claramente que o ICMS apenas incide sobre a prestação de serviços de telecomunicação propriamente ditos, sendo vedado o alargamento da hipótese de incidência do referido imposto para atividades relacionadas à comunicação.

No entanto, mesmo com o entendimento sobre o tema definitivamente pacificado, os contribuintes permanecem sofrendo autuações por parte dos Fiscos de todos os Estados, renovando-se as discussões – ainda que em torno das mesmas controvérsias, em rega relacionadas ao campo de incidência do ICMS – à medida que novos tipos de serviços vão sendo prestados pelas empresas de telecomunicações, cada vez mais próximas de verdadeiras empresas de tecnologia.

1.2. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDEs, Fundos Setoriais e Taxas do FISTEL: principais controvérsias

Como visto acima, a EC nº 08/95 alterou o artigo 21, inciso XI da CF/88 para permitir a exploração do serviço de comunicação pela iniciativa privada mediante concessão.

A LGT, que regulou a forma como esses serviços seriam outorgados e explorados, também determinou a criação de dois fundos setoriais – o FUST e o FUNTTEL.

O Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL), previsto no artigo 77 da LGT e posteriormente regulamentado pela Lei nº 10.052/00, tem como finalidade estimular a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico do setor, por meio da capacitação de recursos humanos, geração de empregos e incentivo financeiro às pequenas e médias empresas para ingressarem no setor, fomentando a competição.

Já o FUST, criado para assegurar a universalização do serviço de telecomunicações, está previsto no artigo 81, inciso II da LGT e na Lei nº 9.998/00, e é custeado pelas prestadoras dos serviços de telecomunicação.

Ambos os fundos, que possuem natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico por possuírem referibilidade entre o motivo e a finalidade de sua instituição, elegeram como base de cálculo para suas incidências tributárias a receita bruta auferida pelas empresas prestadoras de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se o ICMS, o PIS e a COFINS

Ocorre que, após a instituição das referidas contribuições, passou-se a questionar não somente a constitucionalidade dessas contribuições, mas principalmente o conceito e a abrangência da expressão “receita bruta” prevista na legislação. De um lado, estão as operadoras de telecomunicação, que entendem que a abrangência deve se limitar às receitas auferidas com a prestação dos serviços de telecomunicação prestados ao público usuário final, excluindo-se do cômputo as transferências realizadas entre operadoras, como serviços de transporte de dados, linha dedicada – EILD, interconexão ou de uso de recursos integrantes de suas redes.

Esse entendimento se baseia na literalidade do artigo 6º, parágrafo único da Lei 9.998/00[10] e do artigo 6º, § 4º do Decreto nº 3.737/00[11], que excluíram da incidência do FUST e do FUNTTEL, respectivamente, as receitas sobre as quais houve o recolhimento pela prestadora que emitiu a conta ao usuário, a fim de se evitar a incidência da contribuição em duplicidade.

Do outro lado, está a Anatel e o Conselho Gestor do FUNTTEL, que editaram a Súmula 07/2005 e a Resolução 95/2013, que afirmam que não podem ser excluídas da base de cálculo as receitas repassadas entre prestadoras, passando a exigir as contribuições também sobre esses valores.

Embora a controvérsia ainda não tenha sido analisada definitivamente pelo STF ou pelo STJ, o fato é que o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, nos últimos oito anos, tem acatado o pleito dos contribuintes e reconhecido a ilegalidade dos atos infralegais que majoraram a base de cálculo das contribuições ao FUST e ao FUNTTEL, em violação ao princípio da legalidade[12]. Resta aguardar, portanto, se esse entendimento será mantido pelos Tribunais Superiores e se também será assegurado, às operadoras de telecomunicação que judicializaram o tema, a recuperação dos valores indevidamente recolhidos nos últimos anos.

Não são apenas estas, todavia, as CIDEs que oneram as prestadoras de serviços de telecomunicação, de modo indevido. Há questionamentos, ainda indefinidos, também sobre a Contribuição ao Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) e a Contribuição para Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (CONDECINE).

O principal objeto de questionamento, sob a ótica da constitucionalidade, reside na natureza jurídica e referibilidade das aludidas contribuições.

A Contribuição ao Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), prevista no artigo 32 da Lei nº 11.652/08, tem como objetivo propiciar meios para a melhoria dos serviços de radiodifusão pública e para a ampliação de sua penetração mediante a utilização de serviços de telecomunicações, destinando os valores arrecadados para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Como sujeitos passivos foram elencados, além de serviços de radiodifusão e televisão de diversas categorias, as operadoras de telecomunicação que detém as licenças SMP, STFC, SCM.

O que não se explica, no entanto, é o critério eleito pelo legislador para atribuir às operadoras de telecomunicação a responsabilidade pelo recolhimento, já que só podem ser contribuintes da exação as entidades que prestam serviço de “Comunicação Social”, como explica o prof. Aldo de Paula Junior, “sob pena de desvio de finalidade e de relação entre a atuação do Estado na respectiva área (artigo 149, CF/88) e fonte de custeio”[13].

O fato das operadoras possuírem estações de radiofrequências fiscalizadas pela ANATEL, as quais constituem a base de cálculo das taxas do FISTEL que foi “emprestada” para aferição do valor devido da CFRP, não é suficiente para caracterizar a referibilidade necessária, pois as operadoras não exercem atividade de comunicação social, direta ou indiretamente ligada à finalidade da contribuição destinada à Empresa Brasil de Comunicação.

E o questionamento da referibilidade como fundamento de validade econômico-financeira, seja para a CFRP, seja para a CONDECINE, não desconsidera o entendimento do STF que alargou ou afastou o requisito da referibilidade como imprescindível, pois nas situações analisadas, a Corte reconheceu a figura de um grupo direta ou indiretamente relacionado à contribuição[14].

Cientes dessa anomalia jurídica, as operadoras de telecomunicação, por meio do sindicato da categoria, impetraram o Mandado de Segurança Coletivo nº 0017809-08.2009.4.01.3400, o qual aguarda julgamento pelo TRF da 1ª Região até o momento.

No mesmo sentido é a situação da Contribuição para Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (CONDECINE) instituída pela Medida Provisória nº 2.228-1/01 e alterada pelo artigo 26 da Lei 12.485/2011.

A sentença que havia denegado a segurança[15] foi anulada pelo TRF da 1ª Região, por entender que, a despeito do juízo de origem ter acatado a referibilidade com fulcro na decisão proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski nos autos da Suspensão de Segurança nº 5.116/DF, as demais questões relativas à impertinência lógica entre o fato gerador e a base de cálculo, o desvio de finalidade e a impossibilidade de presunção do fato gerador não teriam sido apreciadas, culminando em prestação jurisdicional incompleta e fundamentação deficiente.

Além das contribuições de intervenção no domínio econômico (FUST, FUNTTEL, CONDECINE E CFRP) exploradas acima, a LGT também criou também o FISTEL, que é financiado, entre outros recursos, pelas taxas de fiscalização e de funcionamento (TFI e TFF) instituídas pela Lei Federal nº 5.070 de 07 de julho de 1996.

O fato gerador das taxas TFI e TFF é o exercício do poder de polícia da administração pública que visa proteger bem público comum, que, no caso, é o espectro de radiofrequência, por meio da limitação do direito de propriedade individual, qual seja, a utilização e o funcionamento correto dos equipamentos emissores de radiofrequência que interferem no espectro.

Ocorre que a legalidade da exigência de taxas sobre determinado fato está intrinsecamente ligada à efetiva contraprestação do serviço tutelado, sendo que, se não houver a fiscalização por parte do Poder Público, ou bem jurídico a ser fiscalizado, não há que se falar na exigência de taxas para tal fim. Acatando tal entendimento, a Anatel editou a Resolução nº 680 de 27 de junho de 2017, reconhecendo a desnecessidade de licenciamento das estações e equipamentos que fazem uso exclusivo de meios confinados, porquanto não havendo uso de radiofrequências, inexiste potencial de interferência em outras redes.

Tal posicionamento encontra guarida em benchmark internacional em que foram avaliados os procedimentos adotados nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Austrália, Malásia e Índia, verificando-se que em nenhum desses países são licenciadas as estações que não fazem uso de radiofrequências, não havendo que se falar, por consectário lógico, em incidência das taxas do FISTEL.

No entanto, embora tenha se chegado a um consenso sobre a incidência das taxas sobre certos equipamentos, a questão soberana, relativa à inconstitucionalidade e ilegalidade dos valores exigidos, permanece em discussão, uma vez que não atenderia aos requisitos mínimos de retributividade e atendimento ao interesse público.

Questiona-se perante o Poder Judiciário a equivalência razoável entre o valor cobrado e o custo da atividade estatal, cuja distorção é evidenciada pelo superávit acumulado ao longo dos anos, que supera mais de R$ 8,4 bilhões de reais, enquanto que o gasto incorrido pela Anatel para o exercício das atividades de fiscalização representa apenas 0,63% do produto arrecadado[16].

Em 10/04/2023, a Sétima Turma do TRF da 1ª Região iniciou o julgamento do Mandado de Segurança Coletivo nº 0014603-44.2013.4.01.3400, tendo sido proferido voto da Relatora, Desembargadora Federal Gilda Sigmaringa Seixas, para reconhecer a inconstitucionalidade da TFI e TFF nas parcelas que superam os custos da atividade estatal que motivou a instituição de tais tributos. Após o voto da Relatora e do Desembargador Italo Fioravanti Sabo Mendes, que entendeu pela constitucionalidade das aludidas taxas, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do Desembargador Hércules Fajoses.

A despeito da relevância e robustez dos fundamentos jurídicos que questionam a ilegalidade e inconstitucionalidade das contribuições, fundos e taxas setoriais criados ao longo dos últimos trinta anos, e que os valores envolvidos sejam extremamente vultosos e onerem o setor de telecomunicações, o qual é dotado de essencialidade e cada vez mais indispensável para o desenvolvimento econômico-social do país, o fato é que as discussões junto ao Poder Judiciário ainda encontram-se em estágios muito embrionários, sem análise das Cortes Superiores ou perspectivas de que sejam decididas ou pacificadas na próxima década.

CONCLUSÃO

Da visão geral apresentada acima, em relação aos tributos mais especificamente relacionados ao setor de telecomunicações, observa-se que ainda há muitas controvérsias que atingem aspectos bastante elementares das incidências tributárias, como a abrangência das bases de cálculo e o atendimento ao requisito da referibilidade das contribuições.

A resistência das Administrações Fazendárias na observância dos entendimentos já pacificados pelos Tribunais, assim como a demora dos julgadores na definição de temas que são vividos rotineiramente no cenário das empresas de telecomunicações, são aspectos que expõem a prejudicial insegurança jurídica que permeia discussões envolvendo o setor, e que tendem a se agravar com o tempo, em decorrência da evolução cada vez mais acelerada dos modelos de serviços prestados pelas operadoras de telecomunicações.

Nesse contexto, a correta tributação dos serviços ligados a novas tecnologias é um desafio que deve ser enfrentado com urgência, tanto de modo a garantir que estejam sujeitos a uma tributação justa e adequada, seja a fim de buscar evitar o surgimento e perpetuação de novas lides.


[1] Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP. Advogada em São Paulo.

[2] MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisa Contábeis, Atuarias e Financeiras (FIPECAFI). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP. Coordenadora em São Paulo.

[3] Mestre em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP.

[4] REDAÇÃO VIVO MEU NEGÓCIO. Evolução da internet móvel: conheça as etapas que levaram à poderosa conectividade 5G. Vivo, 1 dez. 2021. Disponível em: https://vivomeunegocio.com.br/conteudos-gerais/expandir/evolucao-da-internet-movel/. Acesso em: 23 nov. 2023.

[5] AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES. Espaço 5G. ANATEL, 17 nov. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/anatel/pt-br/assuntos/5G. Acesso em: 23 nov. 2023.

[6] CARRAZZA, Roque Antonio.ICMS-comunicação: sua não-incidência sobre a denominada tarifa de assinatura básica mensal – questões conexas. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 155, ago. 2008. p. 87.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.176.753 – RJ (2010/0013333-6). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. STJ, 2012. Disponível em:  https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201000133336&dt_publicacao=19/12/2012. Acesso em: 22 nov. 2023.

[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no Pedido de Tutela Provisória nº 623/RJ (2017/0151329-8). Relator: Ministro Francisco Falcão. STJ, 2018. Disponível em:  https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento?seq_documento=18737310&data_pesquisa=05/04/2018&parametro=42. Acesso em: 22 nov. 2023.

[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 572.020 DF. Relator: Ministro Marco Aurélio. STF, 2012. Disponível em:  https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6930260. Acesso em: 22 nov. 2023.

[10] Art. 6º – Constituem receitas do Fundo:

[…]

IV – contribuição de 1% (um por cento) sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, a que se refere o inciso XI do art. 21 da Constituição Federal, excluindo-se o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);

[…]

Parágrafo único. Não haverá a incidência do Fust sobre as transferências feitas de uma prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta ao usuário, na forma do disposto no art. 10 desta Lei.

[11] Art. 6º. Constituem receitas do Funttel:

(…)

II – contribuição de meio por cento sobre a receita bruta das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se, para determinação da base de cálculo, as vendas canceladas, os descontos concedidos, o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), a contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

(…)

§ 4º Não haverá a incidência da contribuição ao Funttel sobre as transferências feitas de uma empresa prestadora de serviços de telecomunicações para outra e sobre as quais já tenha havido o recolhimento por parte da prestadora que emitiu a conta do usuário, na forma do art. 19 deste Decreto

[12] Apelação Civel 1010286-44.2017.4.01.3400; Ação Cautelar nº 0036314-18.2007.4.01.3400; Apelação nº 0019490-81.2007.4.01.3400; Apelação nº 0022920-75.2006.4.01.3400; Apelação nº 0017807-43.2006.4.01.3400; Apelação nº 0002837-38.2006.4.01.3400.

[13] PAULA JUNIOR, Aldo de. A natureza e (in)validade da contribuição para fomento da radiodifusão pública instituída pela Lei Federal n. 11.652/2008: V congresso nacional de estudos tributários. São Paulo: IBET/Noeses, 2008. p. 57.

[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo 1.160.511 Rio De Janeiro. Relator: Ministro Celso de Mello. STF, 2019. Disponível em:  https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=751098032. Acesso em: 22 nov. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg. no Recurso Extraordinário 1.081.290 RJ. Relator: Ministro Edson Fachin. STF, 2018. Disponível em:  https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14645877. Acesso em: 22 nov. 2023.

[15] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Mandado de Segurança 0057388-55.2012.4.01.3400. Juiza: Iolete Maria Fialho de Oliveira. TRF1, 2012. Disponível em:  https://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?trf1_captcha_id=1f5c7759f513bfa7f78ad3e9887d75df&trf1_captcha=SHZ7&enviar=Pesquisar&proc=00573885520124013400&secao=DF. Acesso em: 22 nov. 2023.

[16] Informações divulgadas pelo Tribunal de Contas da União e extraídas do Mandado de Segurança Coletivo nº 0014603-44.2013.4.01.3400.