Imobiliário

Aquisição de imóveis rurais por estrangeiros: alternativas e desafios

Ana Carolina Vieira Gertrudes[1]

Daniela Maria Tolomeli Lopes[2]

Luis Gustavo Miranda[3]

Natália Miranda Sadi[4]

INTRODUÇÃO

Os investimentos externos em atividades econômicas que pressupõem o uso da terra vêm sendo fortemente impactados pelas restrições impostas pela legislação brasileira que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiro. Pelo lado do Estado, existem motivos que levaram à adoção das restrições atualmente vigentes, tais como a defesa da soberania nacional, a biopirataria na região amazônica e o crescimento da venda ilegal de terras públicas. Já pelo lado da economia, as restrições acabam impactando diversas atividades que recebem investimento estrangeiro e ameaçando a geração de empregos e renda.

Com a economia globalizada, os entraves jurídicos enfrentados pelas corporações transnacionais para realização de investimentos e manutenção de atividades no Brasil geram reflexos, desestimulando o crescimento econômico do país. Apesar de relevante, a discussão acerca da soberania precisa urgentemente ser compatibilizada com os interesses econômicos para que o país possa se apropriar dos benefícios trazidos pelos investimentos externos.

Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo buscar alternativas convergentes a problemas relacionados à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, em que seja possível a defesa dos interesses nacionais, sem prejudicar o investimento estrangeiro. Neste artigo, serão indicadas as barreiras para entrada e manutenção de investimentos estrangeiros e exploradas algumas alternativas que podem ser adotadas para reduzir impactos negativos e maximizar impactos positivos que respeitem a legislação vigente, a Constituição Federal e os interesses nacionais. 

1. BASE CONSTITUCIONAL E LEGAL DA AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS POR ESTRANGEIROS

A Lei Federal nº 5.709, de 07 de outubro de 1971 (Lei 5.709/71) impõe diversas restrições para a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil[5], tais como (i) a necessidade de prévia autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e (ii) o limite máximo de somatório de áreas rurais equivalente a 03 (três) Módulos de Exploração Indefinida (MEI) para cada pessoa estrangeira. O art. 1º da Lei 5.709/71 dispõe o seguinte:

Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

§ 1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.[6]

O §1º do art. 1º da Lei 5.709/71 é a origem da controvérsia. Com base nele, as sociedades brasileiras controladas, direta ou indiretamente, por estrangeiros foram consideradas equiparadas às sociedades estrangeiras, demandando autorização para aquisição ou arrendamento de terras rurais no Brasil.

Fazendo uma retrospectiva da evolução constitucional e legislativa da matéria, a Lei 5.709/71 foi promulgada na vigência da Constituição de 1967. A Constituição da República de 1988 (CR/88), por seu turno, não teria recepcionado o § 1º do artigo 1º da Lei 5.709/71, uma vez que (i) estabeleceu que lei posterior regularia e limitaria a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira[7] (excluindo a pessoa jurídica brasileira com capital majoritário estrangeiro das restrições) e (ii) diferenciou “empresa brasileira” de “empresa brasileira de capital nacional”[8], estabelecendo que, para ser caracterizada como brasileira, bastaria que a empresa fosse constituída sob as leis brasileiras e tivesse sede e administração no País.

O Parecer da AGU GQ-22, emitido em 1994, confirmou esse entendimento ao determinar que as sociedades brasileiras, mesmo que controladas por estrangeiros, não estariam sujeitas às restrições impostas pela Lei 5.709/71. Isto porque, além de não ter imposto limitação neste sentido, a CR/88 estabeleceu em seu art. 190 que eventuais limitações à aquisição ou ao arrendamento de propriedade rural devem ser atribuídas por lei à pessoa física ou jurídica estrangeira e não à sociedade brasileira com capital ou controle estrangeiro.

Posteriormente, em 1995, foi promulgada a Emenda Constitucional 6 (EC 6/95), que revogou o artigo 171 da CR/88 e extinguiu as diferenças entre “empresa brasileira” e “empresa brasileira de capital nacional”. Nesse cenário, a AGU revisou o Parecer GQ-22 e emitiu, em 1998, o Parecer GQ-181, ratificando os termos do Parecer GQ-22. Assim, firmou-se o entendimento de que as pessoas jurídicas brasileiras com participação de capital estrangeiro poderiam adquirir terras rurais no País, sem quaisquer restrições.

Todavia, em razão do significativo aumento de aquisições de imóveis rurais no País por sociedades brasileiras controladas por não residentes, a AGU emitiu em 03 de setembro de 2008 um novo Parecer (CGU/AGU 01/2008 – RVJ) que alterou o posicionamento anteriormente adotado. O Parecer CGU/AGU 01/2008-RVJ da AGU[9], em síntese: 

  1. teve como objeto: (i) a mudança de entendimento em relação à recepção, pela Constituição Federal de 1988, do § 1º do art. 1º da Lei 5.709/71; e (ii) a revisão dos Pareceres GQ-181, de 1998, e GQ-22, de 1994 (Pareceres AGU 1994 e 1998);
  2. teve como consequência prática, entre outros, o reconhecimento da equiparação de pessoa jurídica brasileira cuja maioria do capital social seja de estrangeiros não-residentes a pessoas jurídicas estrangeiras;
  3. concluiu que a pessoa jurídica brasileira equiparada a estrangeira que, por ato ou contrato firmado entre 07/06/1994 a 22/08/2010, tenha adquirido ou arrendado imóvel rural, está excluída da necessidade de autorização para aquisição de imóvel rural. Portanto, as restrições da Lei 5.709/71 se aplicam aos imóveis adquiridos por empresa brasileira equiparada a estrangeira fora deste período.

Com a aprovação, tanto pelo Advogado Geral da União quanto pelo Presidente da República, o Parecer CGU/AGU 01/2008 – RVJ foi publicado no Diário Oficial da União em 23 de agosto de 2010, quase 2 anos após sua edição, e passou a vincular todos os órgãos da Administração Pública Federal.

Em razão do Parecer CGU/AGU 01/2008-RVJ, o INCRA regulou a matéria que atualmente está disciplinada na Instrução Normativa nº 88, de 13/12/17 (IN 88/17), que prevê:

Art. 15 Conceitua-se a pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira aquela constituída segundo as leis brasileiras, com sede no Brasil, e que possua participação majoritária, a qualquer título, de capital estrangeiro, e desde que o(s) sócio(s) pessoa(s) natural(is) ou jurídica(s) estrangeira(s), respectivamente, resida(m) ou tenha(m) sede no exterior.

§1º – Para que ocorra a equiparação de pessoa jurídica brasileira à pessoa jurídica estrangeira, é necessário que seu(s) sócio(s) estrangeiro(s), na forma descrita no caput, detenha(m) a maioria do capital social, ou que sua participação acionária lhe (s) assegure o poder de conduzir as deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria dos administradores, de dirigir as atividades sociais e de orientar o funcionamento dos órgãos da empresa, nos termos do S 1°, do art. I° da Lei n. 5.709, de 07 de outubro de 1971, e item 273 do Parecer LA CGU/AGU N° 0112008, publicado no D.a.U, de 23 de agosto de 2010.[10]

Dessa forma, de acordo com a Instrução Normativa do INCRA nº 88/17, há limitações para a aquisição e arrendamento de imóvel rural no Brasil por pessoa jurídica brasileira com capital majoritário estrangeiro. A aquisição de imóvel rural em discordância com a citada lei é considerada nula de pleno direito[11].

2. IMPACTOS DAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI 5.709/71

Apesar de legítima a preocupação com o controle da ocupação e exploração do território nacional, as restrições impostas à aquisição de terras por estrangeiros não devem ser rígidas a ponto de prejudicar a atividade econômica e afugentar o investimento externo. É fato que tais restrições dificultam o desenvolvimento de diversas atividades, a exemplo das minerárias e agropecuárias, uma vez que diminuem a liquidez dos ativos imobiliários, criam insegurança jurídica com relação aos negócios imobiliários que precisam ser realizados para fomentar o incremento das operações, e, portanto, diminuem de forma direta e sistemática o investimento estrangeiro no país.

As consequências são gravosas e impactam um percentual relevante de empresas transnacionais controladas por estrangeiros. Os reflexos alcançam até mesmo as companhias de capital pulverizado que, apesar de não terem propriamente um dono e controle identificado, acabam enfrentando dificuldades para realizar aquisições de imóveis rurais. Pela especificidade da análise, muitos cartórios preferem terceirizar a discussão societária para a instância judicial, condicionando a conclusão de registros à suscitação de dúvida. São dificuldades que podem ameaçar a própria operação, desestimulando a manutenção das atividades dessas empresas no País.

Em última análise, as restrições representam verdadeira barreira para entrada de investimentos estrangeiros que são essenciais para o desenvolvimento do país na infraestrutura, logística e produção de bens e serviços. Consequentemente, outros países se tornam mais atrativos para o desenvolvimento de atividades que dependam de aquisição de terras.

Também contribui para o desinteresse em se investir no país o extenso prazo que vem sendo adotado para que o pedido de autorização seja analisado e concluído pelo INCRA. Em alguns casos, o prazo acaba não atendendo aos objetivos dos interessados, seja em razão da natureza da própria atividade empresarial, seja em razão da finalidade que se almeja com o imóvel.

O tempo médio de tramitação do processo tem se estendido por demasiado tempo, em média de 3 (três) a 7 (sete) anos. Esse prazo varia de acordo com fatores como a complexidade do processo, a região em que a propriedade está localizada e a eficiência dos serviços do INCRA naquela área específica.

Segundo informações do despacho expedido pela Divisão de Fiscalização e de Controle de Aquisições por Estrangeiros – DFC-2 do INCRA, por meio de consulta feita pelo Fala.BR em janeiro de 2023[12], naquele momento (i) 23 (vinte e três) processos estavam em andamento, sendo o mais antigo datado de 2014 e o mais recente de 2022; (ii) 10 (dez) processos haviam sido deferidos, sendo o processo mais antigo datado de 2015 e o mais atual de 2021; (iii) os pedidos que não haviam sido deferidos, cujos os números e dados não foram informados, não o foram em razão de desistência da parte interessada.

Assim, considerando que existem processos em andamento que foram apresentados há quase 10 (dez) anos, que não existe atualmente uma previsão do tempo de tramitação e a evidente demora na conclusão dos processos, é mister a realização de ajustes e melhoramentos na análise do INCRA e dos órgãos relacionados, como Ministério da Agricultura, Ministério da Indústria e Comércio, Ministério do Turismo e Conselho de Defesa Nacional, para otimização e eficiência do processo para deferimento dos pedidos de autorização.

Portanto, ajustes precisam ser realizados o quanto antes – seja por meio de lei, instrumento infra legal, decisão judicial ou mesmo otimização da tramitação do processo autorizativo – para que o Brasil deixe de perder investimentos estrangeiros, os quais provavelmente têm sido realocados em países nos quais inexiste limitação exacerbada e burocratização acerca deste tema.

3. PROJETOS DE LEI E AÇÕES JUDICIAIS

Com o objetivo flexibilizar as condições impostas pela atual legislação vigente no que se refere à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, foi apresentado em maio de 2019 pelo Senador Irajá o Projeto de Lei nº 2.963/2019, de relatoria do Senador Rodrigo Pacheco (PL nº 2.963/2019), que propõe, dentre outras alterações, (i) a extinção do enquadramento das pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiras como pessoas jurídicas estrangeiras e (ii) a elevação do limite máximo do somatório da extensão territorial rural para 15 (quinze) Módulos Fiscais por pessoa estrangeira.

Em dezembro de 2019, o PL nº 2.963/2019 foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), ambas do Senado Federal e remetido à Câmara dos Deputados. Desde abril de 2021, o PL nº 2.963/2019 aguarda a criação de Comissão Especial em razão da distribuição a mais de três Comissões de mérito (Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR); Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC); Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN)[13].

Apensados ao PL nº 2.963/2019 estão os seguintes Projetos de Lei que tratam do mesmo tema: PL nº 2.289, de 2007 – Beto Faro PT, PL nº 2.376/2007 – Carlos Alberto Canuto, PL nº 3.483/2008 – Vanessa Grazziotin, PL nº 4.240/2008 – Antonio Carlos Mendes Thame, PL nº 4.059/2012 – Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, PL nº 1.053/2015 – Cláudio Cajado, PL nº 2.964/2022 – Jerônimo Goergen e, mais recentemente, o PL nº 4427/2023 – Beto Pereira.

O primeiro sinal de mudança relacionado ao tema foi a publicação da Lei nº 13.986/2020, conhecida como Lei do Agro. A Lei do Agro acrescentou o §2º do art. 1º à Lei nº 5.709/1971, prevendo que a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros (ou pessoas jurídicas brasileiras equiparadas às estrangeiras) não estaria sujeita às restrições impostas pela lei em se tratando de (i) sucessão legítima, (ii) constituição de garantia real, incluindo transmissão da propriedade fiduciária, e (iii) aquisição de imóvel mediante liquidação de transação com pessoa jurídica, por meio de realização de garantia real, dação em pagamento ou qualquer outra forma.

Além do PL nº 2.963/2019, duas importantes ações estão em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF).

A primeira, trata da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342, ajuizada pela SRB – Sociedade Rural Brasileira – em 16/04/2015 e visa a declaração de incompatibilidade entre o §1º do art. 1º da Lei 5.709/71 e a Constituição Federal.

Segundo a SRB, o referido dispositivo, que limita a aquisição de terras rurais por empresas brasileiras com capital estrangeiro, não foi recepcionado pela Constituição de 1988 e poderia prejudicar o desenvolvimento das atividades agropecuárias nacionais. Ainda, de acordo com a SRB, o §1º do art. 1º da Lei 5.709/71 dificulta o financiamento das atividades agropecuárias e promove a transferência dos investimentos para outros países da América Latina. A Sociedade alega não haver no ordenamento jurídico brasileiro, a diferenciação entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital estrangeiro, não sendo possível distinguir o tratamento dado a cada uma das entidades.

A votação da ADPF 342 havia sido iniciada, tendo o Ministro Alexandre de Moraes, no julgamento virtual realizado em 26/02/2021, votado pela procedência do feito, reconhecendo a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei 5.709 e consequentemente do Parecer AGU n.º 01/2008 RVJ que havia considerado o referido dispositivo recepcionado pela Constituição.

Segundo o Ministro, a Constituição de 1988 definiu o conceito de empresa brasileira (art. 171), retirando, portanto, essa prerrogativa da legislação infraconstitucional. De acordo com o Ministro, o artigo 171, I, da CF não fez distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, razão pela qual as restrições previstas no art. 1, §1° da Lei 5.709/1971 perderam o objeto.

Em contrapartida, o Ministro Marco Aurélio, no julgamento virtual realizado em 25/06/2021, votou pela improcedência dos pedidos formulados pela SRB. Segundo o Ministro, a aquisição indiscriminada de terras rurais por estrangeiros poderia violar a independência do país e, ainda que pese a Constituição não fazer uma distinção explícita da empresa brasileira com capital estrangeiro ao tratar de compra de terras por estrangeiro, há dispositivos que permitem a interpretação da lei visando a defesa da soberania nacional.

O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, fez o pedido de destaque para que a ADPF 342 fosse retirada do plenário virtual e incluída para julgamento no plenário físico. Nesta situação, a votação é reiniciada e retomada do início, conforme previsão do art. 4º, § 2º Resolução nº 642/2019 do STF[14].

A segunda ação é a Ação Cível Ordinária (ACO) 2463 que foi ajuizada pela União e pelo INCRA por meio da qual requereram a declaração de nulidade do Parecer 461/12-emitido pela Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo (CGJ-SP). Por meio desse documento, a CGJ-SP entendeu pela não recepção §1º do art. 1§ da Lei 5.709/71 pela Constituição de 1988, de modo que os tabeliães e oficiais de registro estariam dispensados de observarem as restrições impostas naquela norma.

Segundo o INCRA e a União, tal parecer configura-se como usurpação de competência federal, razão pela qual requereram, em sede liminar, a suspensão de seus efeitos. A liminar foi concedida pelo Ministro Marco Aurélio em decisão proferida em setembro de 2016. Naquela oportunidade, o Ministro determinou o apensamento da ACO à ADPF 342 para julgamento conjunto.

Em 2023, foram habilitados na ADPF 342 e ACO 2463, na condição de Amicis Curiae, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). Atualmente as ações aguardam a inclusão em pauta para julgamento presencial.

4. ALTERNATIVAS DE COMPATIBILIZAÇÃO 

Tendo em vista as discussões em andamento, faz-se necessário buscar alternativas que, ao mesmo tempo, (i) atendam aos dispositivos legais, (ii) considerem as importantes questões discutidas nas ações em trâmite no STF e (iii) não prejudiquem a livre iniciativa e as atividades empresariais reguladas e autorizadas no Brasil.

Sendo um tema que envolve soberania nacional, risco de biopirataria e necessidade de preservação de floresta, fauna e flora, é imprescindível atenção a estes aspectos. Porém, não se deve deixar de lado a urgência da definição do tratamento das empresas estrangeira e das empresas brasileiras equiparadas à estrangeiras que desejam adquirir imóveis rurais, pois o assunto é grande relevância para o país já que envolve a criação e manutenção de atividades econômicas, criação e manutenção de empregos e a livre iniciativa.

Neste sentido, considerando soluções que envolvam todos os aspectos levantados sobre este assunto, pode-se pensar em diferentes abordagens a depender do enfoque escolhido.

Sob uma perspectiva de linha liberal, a alternativa proposta consiste em extinguir as restrições de aquisição de imóvel rural por estrangeiros e por empresas brasileiras equiparadas à estrangeiras. Sobre este cenário, pode-se destacar os seguintes aspectos positivos:

  1. Atração de investimentos estrangeiros aumentando o fluxo de capital para o setor imobiliário rural, o que poderia impulsionar o desenvolvimento rural e a geração de empregos.
  2. Estímulo ao crescimento do agronegócio, aumentando a produção de alimentos e impulsionando a economia agrícola do país.
  3. Diversificação da agricultura com a chegada de conhecimentos e tecnologias agrícolas inovadoras, promovendo a diversificação da produção agrícola no Brasil.
  4. Incremento na arrecadação de impostos com o aumento das transações de compra e venda de terras rurais, beneficiando as finanças públicas.
  5. Promoção da livre iniciativa a empresas reguladas e autorizadas a funcionar.

Por outro lado, devem ser observados os aspectos negativos em relação a este cenário, tais como:

  1. Especulação de terras aumentando os preços das propriedades rurais e tornando-as inacessíveis para agricultores locais.
  2. Concentração de terras nas mãos de estrangeiros podendo ameaçar a soberania nacional e criar desigualdades na posse de terras.
  3. Impactos ambientais resultantes de práticas agrícolas insustentáveis, prejudicando o meio ambiente e a biodiversidade.
  4. Impactos sociais causados por tensões sociais e conflitos com comunidades locais, que podem ser deslocadas de suas terras tradicionais.
  5. Dependência excessiva de investimentos estrangeiros tornando a economia do país vulnerável a flutuações no mercado global e a interesses externos.

Como segunda alternativa, pode ser avaliada a extinção do conceito de equiparação para as empresas brasileiras, ainda que delas participem pessoas estrangeiras que tenham poder de conduzir, dirigir e orientar o funcionamento dos órgãos da empresa. Este é, inclusive, o objeto das ações em andamento no STF e do PL nº 2.963/2019. No entanto, este cenário, apesar de se beneficiar de todos os aspectos positivos relatados acima, do mesmo modo, abarcaria todos os impactos e aspectos negativos também expostos.

Como terceira alternativa, mais simples, moderada e que poderia ser mais eficaz, considerando que não seria necessária alteração da legislação ou a decisão das ações judiciais, seria a diminuição do tempo de tramitação dos processos de autorização perante o INCRA.

Tal medida, por si só, seria suficiente para viabilizar negócios fundiários por estrangeiros em tempo hábil, mitigando os impactos da demora na lavratura das escrituras de compra e venda, em razão dos entraves no processo de obtenção de autorização pelo INCRA.

Desse modo, é possível perceber que as alternativas para melhorar o processo de aquisição de imóveis rurais para estrangeiros e empresas brasileiras equiparadas a estrangeiras são complexas e devem ser cuidadosamente ponderadas, considerando a compatibilização dos interesses econômicos, sociais e ambientais do Brasil. Neste sentido, é possível perceber a necessidade de estabelecimento de mecanismos de controle e regulamentações adequadas para mitigar os possíveis impactos negativos e garantir que os benefícios sejam compartilhados de forma justa entre todos os envolvidos.

CONCLUSÃO

A aquisição de imóvel rural por estrangeiro é uma questão extremamente sensível, que clama urgência e necessita de cuidado especial dos legisladores e do STF no âmbito das ações em trâmite.

É imprescindível que se fomente a continuidade dos debates e discussões acerca da desconstrução da legislação atual que, ao mesmo tempo que tenta proteger, acaba gerando um entrave às atuais circunstâncias econômicas e sociais que envolvem o tema. De certo se infere a necessidade imediata de uma releitura e uma revisão da legislação e dos entendimentos em vigor, atreladas à situação do cenário socioeconômico brasileiro.

A regulamentação precisa trazer clareza e procedimentos que possibilitem as regularizações, uma vez que não é coerente, nem mesmo interessante, que as limitações legislativas impeçam a aplicação do capital estrangeiro no Brasil. Por outro lado, é essencial equilibrar a facilitação com medidas que garantam a transparência nas aquisições, o uso sustentável da terra, evitem a concentração excessiva de propriedades e que protejam os direitos e interesses dos grupos envolvidos, na finalidade de evitar danos e prejuízos socioeconômicos.


[1] Pós-graduanda em Direito da Mineração pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Especialista em Direitos Reais e Práticas de Registros Imobiliários pela Escola Superior de Advocacia OAB/MG. Pós-graduada em Direito de Empresas pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

[2] Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC).

[3] Doutor em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), mestre em Administração de Empresas pela Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais (FEAD) e MBA em Direito da Economia e de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).  Professor em cursos de Pós-Graduação e Extensão nas áreas de Governança Corporativa e Compliance.

[4] Pós-Graduada em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC-PUC-MG). Pós-Graduada em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Milton Campos. Graduada em Direito pela Universidade Fumec.

[5]     Lei nº 5.709/71 – Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

[6] BRASIL. Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971. Regula a Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro Residente no País ou Pessoa Jurídica Estrangeira Autorizada a Funcionar no Brasil, e dá outras Providências. Diário Oficial da União, 11 out. 1971. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5709.htm. Acesso em: 17 nov. 2023.

[7] Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.

[8] Art. 171. São consideradas: I – empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País; II – empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades.

[9] BRASIL. Casa Civil. Parecer CGU/AGU nº 01/2008-RVJ. Brasília: Casa Civil, 28 ago. 2010. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AGU/PRC-LA01-2010.htm. Acesso em: 17 nov. 2023.

[10] BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instrução Normativa nº 88, de 13 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a aquisição e o arrendamento de imóvel rural por pessoa natural estrangeira residente no País, pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil e pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira e dá outras providências. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 13 dez. 2017. Disponível em: https://www.gov.br/incra/pt-br/centrais-de-conteudos/legislacao/in_88_2017.pdf. Acesso em: 17 nov. 2023.

[11] Lei nº 5.709/71 – Art. Art. 15 – A aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito. O tabelião que lavrar a escritura e o oficial de registro que a transcrever responderão civilmente pelos danos que causarem aos contratantes, sem prejuízo da responsabilidade criminal por prevaricação ou falsidade ideológica. O alienante está obrigado a restituir ao adquirente o preço do imóvel.

[12] Despacho da Divisão de Fiscalização e de Controle de Aquisições por Estrangeiros – DFC-2 do INCRA Processo nº 21210.000095/2023-61, 12 de janeiro de 2023.

[13] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2.963/2019. Brasília: Câmara dos Deputados, 2019. Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2268070. Acesso em 19/09/2023.

[14] Art. 4º Não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de:

I – destaque feito por qualquer ministro; (…)

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o relator retirará o processo da pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado competente para julgamento presencial, com publicação de nova pauta.

§ 2º Nos casos de destaques, previstos nos incisos I e II, o julgamento será reiniciado.