Energia

Aneel instaura Consulta Pública para aprimorar regulação aplicável à comercialização varejista

Em sua última reunião de agosto, realizada no dia 29/08, a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) instaurou a Consulta Pública (CP) nº 28/2023 com o objetivo de colher subsídios e informações adicionais para o aprimoramento da regulamentação aplicável à comercialização varejista, sob a ótica da abertura de mercado – ou seja, flexibilização dos requisitos de migração para o Ambiente de Contratação Livre (ACL) – e da viabilidade de agregação de dados de medição.

Em anos recentes, o setor elétrico tem passado por um relevante processo de abertura de mercado, que culmina em um número cada vez mais significativo de consumidores atuando no setor. Nesse contexto, a figura do comercializador varejista tende a assumir papel fundamental ao recepcionar esses novos consumidores e viabilizar a operacionalização da expansão do mercado livre.

Nesse sentido, em março de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.120/2021 que, dentre outros pontos, estabeleceu medidas para maior segurança a partir da atuação do comercializador varejista em caso de inadimplência do consumidor. Em seguida, foi publicada a Portaria Normativa MME nº 50/2022, que disciplinou a redução gradual dos limites de carga para contratação de energia no ambiente livre. A partir de 1º de janeiro de 2024, os consumidores pertencentes ao Grupo A (conectados em alta e média tensão, conforme definição dada pela Resolução Normativa Aneel nº 1.000/2021) terão a opção de aderir ao mercado livre de energia, sendo obrigatório que aqueles com carga individual abaixo de 500 kW, que optarem pela migração, sejam representados por um agente varejista perante a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Não obstante o relevante avanço legislativo nos últimos dois anos, os atos normativos mencionados acima, aliados ao volume relevante de consumidores a migrarem para o ambiente de contratação livre, têm demandado regulamentação por parte da Agência. Nesse contexto, e com vistas a garantir uma atuação regulatória de qualidade, é necessário endereçar procedimento que proporcione segurança jurídica aos agentes setoriais, especialmente aos comercializadores varejistas, que é o que se espera que seja feito na Consulta Pública nº 28/2023.

Já como documento integrante da CP consta a Nota Técnica nº 76/2023-SGM/Aneel, emitida pela Superintendência de Regulação dos Serviços de Geração e do Mercado de Energia Elétrica (SGM), que propõe ajustes regulatórios a serem implementados de acordo com o disposto na Lei nº 14.120/2021 e na Portaria Normativa nº 50/GM/MME/2022.

Consolidamos alguns dos principais pontos de discussão do tema nos itens abaixo:

 I. Alterações relativas à Lei nº 14.120/2021

Os principais ajustes relacionados à regulamentação da Lei nº 14.120/2021 concentram-se em aspectos do rito, das condições e dos efeitos do desligamento de agentes da CCEE e da suspensão do fornecimento de energia.

Dentre os pontos analisados, observa a área técnica que o descumprimento de prazos estabelecidos para efetivar a suspensão do fornecimento implica em custos, que, quando relacionado à suspensão do fornecimento de consumidor livre e especial, recai sobre os agentes participantes do Mercado de Curto Prazo, ou sobre o agente varejista no caso de suspensão do fornecimento de consumidor representado.

Diante disso, propõe-se na Consulta Pública que, na hipótese de descumprimento de prazo para suspensão do fornecimento por responsabilidade da distribuidora ou transmissora, a CCEE apure o custo de energia elétrica inadequadamente consumida para fins de cobrança da respectiva concessionária.

No que se refere aos prazos atuais para efetivar a suspensão de fornecimento de energia elétrica em função de eventos que impliquem no desligamento do agente da CCEE, como, por exemplo, inadimplência de faturas, a área técnica considera-os mais longos do que o necessário, o que pode contribuir para que a inadimplência aumente no decorrer do processo.

No caso de consumidor livre ou especial com adesão direta à CCEE, o tempo entre a constatação da inadimplência, até a deliberação da Câmara quanto ao desligamento do agente pode se estender por 60 dias. Após a deliberação do desligamento, a CCEE notifica em até cinco dias o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e/ou as distribuidoras, conforme o caso, para que, no prazo mínimo de cinco dias e máximo de dez dias, realizem a suspensão do fornecimento de energia elétrica ao consumidor, interrompendo o aumento da inadimplência.

Já no caso dos consumidores representados por agentes varejistas, em caso de inadimplência, o comercializador deve providenciar a notificação da resolução contratual, com antecedência mínima de trinta dias, encaminhando a notificação realizada por meio de Aviso de Recebimento (AR) à CCEE. A Câmara, por sua vez, notifica a distribuidora ou o nos para que seja realizada a suspensão do fornecimento, momento no qual será efetiva a resolução contratual varejista.

Para tornar o processo mais eficiente, propõe-se a redução do prazo máximo do julgamento do procedimento de desligamento pela CCEE de 60 para 30 dias, contados do inadimplemento.

Quanto à regulamentação dos varejistas, propõe-se reduzir de 30 para 15 dias a antecedência mínima para resolução contratual em caso de inadimplência. Adicionalmente, propõe-se obrigar que a distribuidora notifique a CCEE quando da efetivação da suspensão do fornecimento, que, por sua vez, informará ao respectivo varejista para que possa adotar as devidas providências.

II. Alterações relativas à Portaria Normativa nº 50/GM/MME/2022

No que se refere à regulamentação da Portaria Normativa nº 50, de 2022, consolidamos, as principais propostas da SGM, na tabela abaixo:

ASSUNTOPROPOSTA
DIVULGAÇÃO DE CONTRATO PADRÃO DO REPRESENTANTE– Obrigar que os Varejistas divulguem em seu portal eletrônico, no mínimo, um modelo padrão de vigência anual que seja ofertado a público, prevendo distribuição do volume com sazonalização e modulação flat, como forma de dar transparência contratual e facilitar a comparação de elementos essenciais do produto dos ofertantes pelos consumidores.
RESPONSABILIDADE DE INFORMAÇÕES À CCEE– Dada a obrigatoriedade de representação varejista dos consumidores oriundos do Grupo A, propõe-se que as informações destes consumidores sejam apresentadas à CCEE pelo próprio representante do consumidor. – Estabelecer a instrução de informações acerca de um agente representado e a atualização de dados cadastrais a serem encaminhados à CCEE por meio de sistema de informações, a fim de descontinuar o envio destas informações via encaminhamento de contrato.
SISTEMA DE GESTÃO DE INFORMAÇÕES DA CCEE– Estabelecer competência para a CCEE fazer a gestão centralizada das informações relacionadas à migração de consumidores para o ACL representados por agentes varejistas, por meio de um sistema de informação próprio a ser implementado pela Câmara.
DA AGREGAÇÃO DE DADOS DE MEDIÇÃO E ALOCAÇÃO AO VAREJISTA– Estabelecer a responsabilidade da CCEE por gerir os dados de medição das unidades consumidoras com representação por agente varejista, fazendo a recepção dos dados de medição e alocando-os ao ativo de consumo de cada agente varejista, para fins de contabilização.
TRATAMENTO DE CONSUMIDORES LIVRES – GRUPO A INFERIOR 500KW – DESCONTRATADOS– Caso consumidores com carga individual inferior a 500 KW não encontrem mais agentes varejistas para contratação de energia e não sejam admitidos de volta pelas distribuidoras, propõe-se tratamento regulatório análogo ao de um consumidor cujo processo de migração para o ACL não se concluiu por motivo não atribuível à distribuidora, conforme disposto no art. 168 da Resolução Normativa nº 1.000/2021. Busca-se, com isso, alocar o risco ao próprio consumidor, o qual seria o beneficiário da migração ao ACL, não havendo, no entendimento da SGM, permissivo para alocar o risco a outro agente.

Por fim, vale destacar que, após ser consultada, a Procuradoria Federal (PF/Aneel) se manifestou no processo em relação à possibilidade de utilização da modelagem de comunhão de fato ou de direito, pelos consumidores especiais, no âmbito da abertura de mercado ao Grupo A. Em sua manifestação, concluiu que um “conjunto de consumidores reunidos por comunhão de interesses de fato ou de direito na forma do §5º do art. 26 da Lei 9.427/1996 não podem comprar energia elétrica na forma da Portaria Normativa MME 50/2022”. Dessa forma, por não se enquadrarem na referida Portaria, tais consumidores, organizados em comunhão para atingir 500 kW de demanda contratada, poderão migrar ao ACL sem a necessidade de serem representados por varejistas.

O período de contribuição da Consulta Pública 28/2023 vai até 13 de outubro de 2023.

O Rolim Goulart Cardoso segue acompanhando de perto as alterações no setor e está à disposição para auxiliar e esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema.

Profissionais relacionados: Vitor Sarmento de Mello, Alice de Siqueira Khouri, Bernardo Gabriel Ferreira da Silva e Helena Marinho Ketzer Yacoub.