No último dia 15 de outubro, no âmbito da 38ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovou a abertura da Consulta Pública nº 25/2019 para discussão de nova proposta de regulamentação para micro e minigeração distribuída (GD), cujo prazo para contribuições dos agentes vai até 30 de novembro de 2019.
A minuta de resolução normativa apresentada pela Agência surpreendeu os agentes ao incorporar alterações significativas em relação à proposta discutida em audiência pública no primeiro semestre de 2019 (Audiência Pública nº 012019).
Destacamos a seguir as principais modificações.
Regras de Compensação da Energia Elétrica
De acordo com as regras atuais, a energia elétrica gerada por GD e injetada na rede da distribuidora pode ser compensada com o consumo, na proporção 1:1 – ou seja, a energia produzida por GD tem o mesmo valor que a energia fornecida pela distribuidora.
Entendo que o atual regime de compensação – net metering – seria inadequado, uma vez que na tarifa da distribuidora estão embutidos outros encargos e custos de transporte da energia consumida, a ANEEL apresentou, na Audiência Pública nº 01/2019, cinco alternativas de valorização da energia gerada por GD, conforme abaixo:
Com base nas alternativas acima, a minuta de resolução submetida para discussão na Consulta Pública nº 25/2019 incorporou dois regimes de compensação diferentes, para dois cenários distintos: (i) GD Remota (geração instalada em local diferente do consumo) e (ii) GD Local (geração no mesmo local de consumo).
Para GD Remota, se o protocolo da solicitação de acesso ao sistema de distribuição for realizado após a publicação da nova norma, deverá ser aplicada a Alternativa 5, ou seja: a energia gerada por GD passará ser valorada apenas pela componente da Tarifa de Energia – ou seja, passarão a ser descontados “TUSD Fio B”, “TUSD Fio A”, “Encargos e Perdas” e demais componentes da tarifa.
Trata-se de uma alteração substancial em relação à proposta que foi submetida à Audiência Pública nº 01/2019, uma vez que a partir da publicação do novo normativo, propõe-se aplicar para os novos empreendimentos de GD Remota a opção de compensação menos vantajosa dentre as 5 opções disponíveis, o que implicaria o aumento do tempo de retorno do investimento, e consequente redução da atratividade para esse tipo de empreendimento.
A ANEEL justificou a escolha dessa alternativa em razão do fato de os empreendimentos de GD Remota serem utilizados majoritariamente por cadeias de grandes lojas, hipermercados e shopping centers, o que impactaria, na visão da Agência, os consumidores residenciais e proprietários de pequenos comércios.
Para GD Local, por outro lado, se o protocolo da solicitação de acesso ao sistema de distribuição for realizado após a publicação da nova norma, inicialmente, deverá ser aplicada a Alternativa 2, ou seja: serão excluídas da valoração da energia gerada por GD apenas as componentes “TUSD Fio B” e “TUSD Fio A”.
Esse regime de compensação, porém, deverá ser temporário: uma vez atingido o limite de potência instalada de GD na área de concessão da respectiva distribuidora, a energia gerada por GD local passará ser valorada conforme a Alternativa 5, ou seja, será equivalente somente à parcela de Tarifa de Energia (TE), sendo descontados “TUSD Fio B”, “TUSD Fio A”, “Encargos e Perdas” e demais componentes da tarifa, tal como na GD Remota.
Regime de Transição
Tendo em vista os investimentos já realizados pelos agentes, a ANEEL determinou a manutenção das regras atuais de compensação, durante um período limitado, para empreendimentos de GD (i) existentes e já conectados à distribuidora; ou (ii) cujo protocolo de solicitação de acesso já tenha sido realizado antes da publicação da nova norma.
Note-se que, na proposta discutida na Audiência Pública nº 01/2019, o período de transição era de 25 anos, considerando o período de vida útil dos equipamentos solares. Contudo, na nova proposta submetida na Consulta Pública nº 25/2019 o período foi reduzido para 10 anos (até 31.12.2030).
Além disso, note-se que o referido regime de transição deixará de ser aplicado caso haja (i) aumento da potência instalada; (ii) troca de titularidade da unidade consumidora com GD; (iii) encerramento da relação contratual com a distribuidora; ou (iv) irregularidade comprovada no sistema de medição.
TUSD aplicável à Minigeração
Atualmente, as regras de GD levam em conta a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição aplicadas ao consumidor (TUSDc).
Contudo, unidades consumidoras com GD podem não só consumir, mas também injetar energia na rede. Em razão disso, na nova proposta da ANEEL, deverão ser pagas TUSDc e TUSDg, conforme a proporção de consumo e geração, respectivamente.
A regra se aplicaria somente a minigeração, uma vez que a manutenção da regra atual para microgeração se justifica pela maior simplicidade no faturamento de sistemas de menor porte.
Outros Aspectos
De acordo com a regra atual, a GD Remota na modalidade de geração compartilhada permite que os consumidores se reúnam em consórcio ou cooperativa para implantar usinas de GD. Assim, por meio desta modalidade, a energia gerada pode ser compensada com o consumo de diversas unidades consumidoras, desde que estejam sob titularidade dos referidos participantes do consórcio ou da cooperativa. Visando simplificar e facilitar os procedimentos para reunião de consumidores, a minuta de normativo disponibilizada pela ANEEL passou expressamente a permitir a constituição de Condomínio Voluntário, para esta modalidade de GD.
Além disso, no que se refere à alocação da energia injetada, independentemente da modalidade, a proposta de nova regulamentação permite que o titular da unidade com GD defina o percentual ou a ordem de prioridade da compensação, concedendo maior autonomia ao consumidor para gerir a própria energia.
Ainda quanto à alocação de créditos, a nova proposta desvincula a compensação de limites territoriais – área de concessão -, preferindo adotar como critério o atendimento pela mesma distribuidora. A ideia, de acordo com a ANEEL, é permitir a compensação mesmo nos casos de atendimento precário por parte da distribuidora, de modo a permitir a compensação em unidades localizadas em diferentes áreas de concessão/permissão mas atendidas pela mesma concessionária/permissionária de distribuição.
No que se refere à medição de energia, a minuta de resolução normativa transfere à concessionária/permissionária de distribuição a responsabilidade pela adequação do medidor, mesmo nos casos de minigeração.
Desafios e pontos para discussão
Em que pese as diversas alterações propostas pela ANEEL, cabe destacar que alguns pontos ainda foram deixados em aberto na minuta de ato normativo, como, por exemplo, a definição de critérios objetivos para identificação de tentativas de divisão de centrais de geração para enquadramento nos limites de potência de GD.
Até o momento, a ANEEL se limitou a emitir diretrizes, considerando que cercas ou ruas ou mesmo titularidades diferentes não seriam suficientes para afastar a vedação regulamentar. Contudo, não foram estabelecidas regras objetivas para caracterização ou não dessas tentativas, atribuindo às distribuidoras a responsabilidade de verificar as tentativas em cada caso concreto – o que resulta em insegurança aos agentes que atuam no segmento de GD.
Outro ponto relevante deixado em aberto se refere aos limites territoriais para a efetivação da compensação dos créditos de energia.
Embora a proposta de ato normativo já contenha uma evolução, adotando como critério o atendimento pela mesma distribuidora, a Nota Técnica nº 78/2019, que fundamentou a proposta de ato normativo da ANEEL, afastou tanto a possibilidade de comercialização de excedentes quanto a de compensação de energia entre unidades consumidoras atendidas por concessionárias ou permissionárias de distribuição diferentes.
Porém, não obstante o posicionamento apresentado na referida Nota Técnica, no âmbito da 38ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria, o Diretor André Pepitone incentivou a apresentação de contribuições que permitissem superar tais limites territoriais, de modo a viabilizar a compensação entre unidades consumidoras atendidas por concessionárias e permissionárias diferentes.
Conclusão
A revisão da Resolução Normativa nº 482/2019 suscitou grande interesse da população brasileira e do mercado de GD, o que se pode verificar com o grande número de contribuições recebidas no âmbito da Audiência Pública nº 01/2019, realizada no primeiro semestre deste ano.
Ao todo, foram mais de 360 contribuições, feitas por agentes do segmento de GD, mas também por consumidores, associações, distribuidoras e diversos outros stakeholders, de interesses distintos, por vezes opostos.
Nesse contexto, cabe ressaltar que as discussões foram pautadas por dois argumentos principais e contrastantes, quais sejam, (i) a necessidade de revisão da sistemática da cobrança de GD, para a eliminação de subsídios e otimização da precificação da energia gerada; e (ii) a necessidade de respeito às expectativas dos investidores que já realizaram investimentos, mediante a aplicação das regras atualmente em vigor, em um regime de transição, como forma de afastar insegurança jurídica e regulatória, além de eventuais alegações de violação de ato jurídico perfeito e/ou desequilíbrio econômico financeiro dos contratos já celebrados.
Nesse esteio, a proposta de minuta elaborada pela ANEEL pode ser considerada uma tentativa de conciliar posições contrastantes, mas que precisa ser aprimorada no âmbito da Consulta Pública n° 25/2019.
Portanto, a participação dos agentes nesta fase de revisão normativa será essencial para garantir que a minuta final de resolução reflita de forma equilibrada os interesses de todos os agentes do setor.
Destaque-se, por fim, que o prazo final para envio de contribuições é 30 de novembro de 2019, sendo que, de acordo com a agenda regulatória, a ANEEL deverá publicar nova regulamentação para GD já no primeiro trimestre de 2019.