Aposentadoria Especial, Adicional da Alíquota do RAT e os Agentes Nocivos no Ambiente de Trabalho

Com a publicação do Decreto Federal nº 10.410/2020, ocorreram alterações significativas no Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, com destaque para o regramento da aposentadoria especial dos trabalhadores expostos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos no ambiente laboral.

Nos termos do artigo 277 da Instrução Normativa INSS  nº 77/2015[1], a exposição a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou à associação de agentes, em concentração ou intensidade e tempo de exposição que ultrapasse os limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos, ou que, dependendo do agente, torne a simples exposição em condição especial prejudicial à saúde, segundo critérios de avaliação qualitativa, são estatuídas como condições necessárias para a concessão da aposentadoria especial.

A definição legal para os agentes nocivos quantitativos e qualitativos presentes no ambiente de trabalho está amparada na concatenação das normativas previdenciárias e de segurança e saúde no trabalho, senão vejamos:

Critério Quantitativo: a nocividade considerada pela ultrapassagem dos limites de tolerância ou doses, dispostos nos Anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da Norma Regulamentadora NR-15 do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego, atual Ministério do Trabalho e Previdência), por meio da mensuração da intensidade ou da concentração consideradas no tempo efetivo da exposição no ambiente de trabalho (art. 278, §1º, II, da IN INSS 77/2015).

Critério Qualitativo: nocividade presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, conforme constante nos Anexos 6, 13 e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 – NR-15 do MTE, e no Anexo IV do RPS, para os agentes iodo e níquel, a qual será comprovada mediante descrição (art. 278, §1º, I, da IN 77/2015).

No tocante aos agentes qualitativos, o § 4º do art. 68 do Decreto nº 3.048/99, redação dada pelo Decreto nº 8.123/2013[2], determinava que a presença no ambiente de trabalho de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, seria suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador e, consequentemente, a contabilização desse período para fins de aposentadoria espacial.

Por sua vez, a Instrução Normativa nº 77/2015, no Parágrafo único do seu art. 284[3] é taxativa quanto a efetiva exposição dos trabalhadores aos agentes nocivos cancerígenos qualitativos, com a nocividade sendo presumida e independe de mensuração, constatada pela simples presença do agente (químico; físico; biológico) no ambiente de trabalho.

Ocorre que em 2014, o Pleno do STF consolidou, com efeito vinculante, o entendimento sobre os parâmetros de concessão de aposentadoria especial, no RE nº 664.335 em duas teses:

  • Para os agentes nocivos, se for comprovado o fornecimento eficaz do EPI (Equipamento de Proteção Individual), afasta para esses empregados segurados o direito à aposentadoria especial;
  • Exceto para o agente nocivo ruído, que se estiver presente no ambiente de trabalho acima do limite legal, os segurados empregados têm direito à aposentadoria especial, independentemente de o empregador fornecer EPI capaz de elidir a nocividade, nos termos da legislação.

Na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal,  sobreveio o Decreto Federal nº 10.410/2020, que alterou a redação do § 4º do art. 68 do Decreto nº 3.048/99, para determinar que os agentes nocivos cancerígenos para humanos serão avaliados em conformidade com o Regulamento da Previdência Social, e caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição. Veja-se a nova redação:

  • 4º Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição. (Destaque nosso)

A nova redação do dispositivo abre a possibilidade para o empregador avaliar e implementar medidas de controle, de caráter coletivo ou individual, que possam eliminar a nocividade do agente. O que poderá implicar na descaracterização da efetiva exposição e, por consequência, em não configuração do direito de aposentadoria especial.

Até então, essa possibilidade era vedada ao empregador nos casos de agentes nocivos qualitativos para os quais a constatação da presença do agente no ambiente de trabalho era suficiente para configurar o direito de aposentadoria especial (respeitados os demais requisitos exigíveis para tal: período de carência exigido; prazo mínimo de exposição; idade do trabalhador) com todas as suas implicações tributárias/previdenciárias/trabalhistas para a empresa.

Contudo, pela nova regra trazida pelo Decreto Federal nº 10.410/2020, as avaliações e os respectivos documentos ocupacionais da empresa (ex.: LTCAT – Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho) poderão atestar tecnicamente o contrário, fato que abre uma gama de novas possibilidades que podem levar a uma reavaliação rigorosa dos ambientes de trabalho e eventuais ajustes nas rotinas dos documentos de Segurança e Saúde no trabalho (SST). Inclusive com direto na obrigação ou não do empregador ao recolhimento da Contribuição para o Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho – GILRAT.

Isso porque, o art. 293, §2º, da Instrução Normativa (IN) da Receita Federal do Brasil (RFB) nº 971/09[4], dispõe que a obrigação de contribuição adicional ao GILRAT é afastada quando houver comprovação de que os equipamentos de proteção individual e coletiva adotados pelo empregador são eficazes para a neutralização dos agentes nocivos previstos no ambiente laboral ou da exposição dos empregados a estes.

Já o art. 279, §§6º e 7º, da IN INSS nº 77/15[5] considera prova incontestável da eliminação dos riscos ambientes o uso de EPI quando cumpridas as exigências previstas na Instrução Normativa.

No âmbito tributário, autuações que exijam valores entendidos pelo Fisco como devidos e não recolhidos do adicional a contribuição ao GILRAT, obrigatoriamente devem estar fundadas na comprovação de que os equipamentos de proteção fornecidos pelo empregador são ineficazes para neutralizar ou mitigar a nocividade dos agentes nocivos acima dos limites legais no ambiente laboral. O que, na maioria das vezes, implicará na desconsideração ou fragilização de laudo técnico realizado formalizado por profissional especializado em Saúde e Segurança no Trabalho.

Demais disso, com a implementação da obrigatoriedade de informação dos eventos de SST no eSocial[6] e o contexto que envolve a cobrança da contribuição adicional ao GILRAT, reforça-se a necessidade de que os contribuintes implementem ou fortaleçam os mecanismos de compliance previdenciário/tributário para o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho.

Deve-se levar em conta que, para a desconstituição de eventuais cobranças tributárias, competirá ao empregador comprovar que as medidas de proteção implementadas são eficazes para neutralizar ou mitigar a nocividade dos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho. Nesse sentido, veja-se o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF:

ADICIONAL PARA CUSTEIO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. INADEQUAÇÃO DOS DOCUMENTOS. LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO.
Constatada a inexistência ou a inadequação do PPRA, PGR, PCMAT, LTCAT ou PPP, o art. 296 da Instrução Normativa RFB nº 971/09 e o art. 33, § 3º da Lei nº 8.812/91 autorizam a autoridade fazendária a proceder ao lançamento do adicional para custeio de aposentadoria especial por arbitramento, cabendo à empresa o ônus da prova em contrário.
GERENCIAMENTO DE RISCOS AMBIENTAIS. COMPROVAÇÃO DA NEUTRALIZAÇÃO DO AGENTE NOCIVO. ÔNUS DA PROVA
Inconteste a existência de agentes nocivos no ambiente de trabalho em nível superior aos admitidos em lei, a empresa apenas se esquivará do pagamento de adicional para custeio da aposentadoria especial se comprovar o efetivo controle de riscos, capaz de neutralizar o agente ou reduzi-lo ao limite de tolerância de exposição definido pelo MTE (CARF, Acórdão nº 2202-005.304, Conselheiro Relator Ludmila Mara Monteiro de Oliveira, sessão de julgamento em 10.07.2019)

A solidez da documentação comprobatória será fundamental para afastar a responsabilidade dos empregadores nos casos que envolvem a exposição de empregados a agentes nocivos que ensejam a concessão de aposentadoria especial, principalmente depois da implementação desses eventos no eSocial e das recentes alterações[7] nas NRs. 

Por fim, tão importante quanto reavaliar a situação tributária-previdenciária da empresa no que diz respeito à exposição aos agentes nocivos laborais, é a compreensão das empresas da grande importância do investimento em melhoria nos controles do ambiente de trabalho, o que traz ganhos em termos de bem-estar dos empregados, qualidade do ambiente de trabalho e da própria produtividade laboral.


Notas de rodapé

[1] Estabelece rotinas para agilizar e uniformizar o reconhecimento de direitos dos segurados e beneficiários da Previdência Social.

[2] §4º A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador

[3] Parágrafo único. Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto n° 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art.68 do Decreto n° 3.048, de 1999.

[4] Art. 293. A empresa ou pessoa física ou jurídica equiparada na forma prevista no parágrafo único do art. 15 da Lei nº 8.212, de 1991, fica obrigada ao pagamento da contribuição adicional a que se referem o art. 292 desta Instrução Normativa e o § 2º do art. 1º da Lei nº 10.666, de 2003, incidente sobre o valor da remuneração paga, devida ou creditada a segurado empregado, trabalhador avulso ou cooperado associado à cooperativa de produção, sob condições que justifiquem a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 6º do art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991. […]

  • 2º Não será devida a contribuição de que trata este artigo quando a adoção de medidas de proteção coletiva ou individual neutralizarem ou reduzirem o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, de forma que afaste a concessão da aposentadoria especial, conforme previsto nesta Instrução Normativa ou em ato que estabeleça critérios a serem adotados pelo INSS, desde que a empresa comprove o gerenciamento dos riscos e a adoção das medidas de proteção recomendadas, conforme previsto no art. 291.

[5] Art. 279. Os procedimentos técnicos de levantamento ambiental, ressalvadas as disposições em contrário, deverão considerar: […]

  • 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual – EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: […]
  • 7º Entende-se como prova incontestável de eliminação dos riscos pelo uso de EPI, citado no Parecer CONJUR/MPS/Nº616/2010, de 23 de dezembro de 2010, o cumprimento do disposto no§ 6º deste artigo.

[6] Sistema de registro elaborado pelo governo federal para facilitar a administração de informações relativas aos trabalhadores de forma padronizada e simplificada.

[7] O Ministério do Trabalho e Previdência publicou no dia 8 de outubro de 2021, 07 Portarias que alteraram consideravelmente as Normas Regulamentadoras – NRs 05, 09, 12, 17, 19, 20 e 30.