Energia

Aneel propõe plano de ação e consulta pública para atender determinações do TCU

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou, no último dia 26 de abril, as Notas Técnicas (NT) nº 499 e 500, com respostas às determinações do Tribunal de Contas da União (TCU) estipuladas nos Acórdãos 2353/2023 e 129/2024. A primeira NT propõe um plano de ação abrangente, contemplando medidas para outorgas já emitidas, um cronograma para aprimoramento da regulação do tema e ações para orientar a emissão das outorgas ainda pendentes de instrução. Já a segunda recomenda a abertura de consulta pública para a definição de novos critérios regulatórios para aplicação do desconto tarifário, seguindo ciclo regulatório estabelecido na agência, com previsão de conclusão em outubro de 2024.

O TCU havia determinado que a Aneel se abstivesse de conceder novos descontos nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição previstos no art. 26, §1º-A da Lei 9.427/1996, para projetos de geração fracionados cuja a soma das potências injetáveis possam superar o limite de 300MW estabelecido na legislação, além de determinar a apresentação de um plano de ação para aprimoramento do regime normativo em um prazo de até 180 dias.

Nesse contexto, o plano proposto pela agência possui dois objetivos principais: a formulação de novos critérios regulatórios para reinterpretar o limite de 300 MW estabelecido pela legislação supracitada e o tratamento das outorgas já concedidas, incluindo aquelas que atualmente possuem subsídios em vigor.

Empreendimentos já autorizados e com subsídios vigentes

O TCU instruiu a Aneel a considerar os impactos da aplicação retroativa dos novos critérios. As áreas técnicas do órgão regulador ressaltaram, na NT 499, que o Tribunal identificou uma lacuna regulatória e solicitou à agência o aprimoramento da regulamentação, sem, no entanto, estabelecer claramente se as mudanças regulatórias teriam efeito retroativo e/ou declarar a ilegalidade ou nulidade dos atos decisórios já emitidos.

Em contraposição ao posicionamento expresso no acórdão do TCU, que entendeu que a situação tem característica de simulação relativa, a Aneel defende que todas as ações foram realizadas de forma transparente, pautadas pela regulamentação à época vigente, sem evidências de transgressões, que indiquem má-fé, ilegalidade e/ou simulação, argumentando, ainda, que não seria possível impedir a subdivisão de empreendimentos com base nos critérios técnicos-regulatórios atuais, “uma vez que não há conceito legal que individualize empreendimento de geração de fonte incentivada”.

A NT 499 também destacou que uma eventual mudança no tratamento regulatório dos empreendimentos já outorgados causaria prejuízos consideráveis não só aos investidores, mas ao próprio setor elétrico, com o aumento do “risco Brasil”, o que desestimularia novos investimentos e o desenvolvimento do setor elétrico. Além disso, há o risco de um aumento no valor das tarifas de energia devido ao repasse da perda do desconto nos contratos do ambiente regulado.

O documento também apontou que a anulação retroativa das outorgas ou a supressão dos descontos concedidos violaria princípios fundamentais do direito administrativo, como a presunção de boa-fé do administrado, confiança legítima, segurança jurídica – que se estende a todas as outorgas vigentes, independentemente da fase do empreendimento (operação, construção ou ainda não iniciado) – e isonomia. Isso porque, na prática, a aplicação retroativa da decisão do TCU tenderia a criar uma situação desigual entre os agentes que já receberam outorgas com descontos tarifários e os que ainda estão com projetos pendentes de autorização, que poderiam decidir não realizar os investimentos.

Dessa forma, as áreas técnicas e a Procuradoria Federal junto à Aneel entenderam que a decisão do TCU não deve retroagir para alcançar as outorgas concedidas conforme interpretação anterior, a qual, embora considerada inadequada pelo Tribunal, foi respaldada por motivação técnico-regulatória, de maneira a preservar os princípios acima mencionados.

Pedidos de outorga de geração em instrução

Foram recomendados dois tratamentos:

(i) continuar com o processo de emissão de outorga, sem enquadramento ao desconto nas tarifas de uso do sistema, previsto na REN 1.031/2022, até que a Aneel aprimore a regulamentação do tema; ou
(ii) suspender o processo de outorga de autorização até a regulamentação do tema, em atendimento aos referidos acórdãos, mediante manifestação expressa dos interessados.

Em ambos os casos, o requerimento do subsídio deverá ser submetido à Aneel após a publicação de regulamentação específica. No entanto, essa espera não isenta o autorizado do cumprimento dos requisitos e prazos da outorga para o enquadramento no desconto tarifário, tampouco pode ser usado como objeto de pleito de excludente de responsabilidade. Ainda, foi destacado que a opção pela suspensão do processo de outorga impossibilita o enquadramento do agente na prorrogação do prazo de implantação instituído pela Medida Provisória (MP) 1.212/2024, que exige início das obras em até 18 meses após a publicação.

Os Anexos I e II da NT 499 oferecem minutas para o Termo Declaratório de Prosseguimento Autorizativo (TDPA) e para o Termo Declaratório de Suspensão Autorizativa (TDSA), permitindo que os agentes que aguardam instrução de seus pedidos de outorga declarem sua intenção de prosseguir ou suspender esses pedidos, condicionados à futura regulamentação para aplicação do desconto tarifário.

A medida busca evitar que os agentes aleguem desconhecimento das mudanças e assumam as consequências, positivas ou negativas, da nova regulamentação. Os agentes têm a opção de prosseguir ou suspender o processo, e caso não optem por nenhuma das duas alternativas, a agência poderá indeferir e encerrar a instrução do pedido. O prazo para essa manifestação será determinado pela diretoria da Aneel no ato decisório de aprovação do procedimento de emissão de outorgas condicionadas.

Critérios regulatórios para o limite de 300 MW de potência injetada

A NT 500 traz novos critérios para cumprir o limite de 300 MW, visando evitar a subdivisão de usinas maiores em menores, conforme exigido pelo TCU. Sobre este ponto, o Tribunal de Contas destacou indícios de subdivisão de empreendimento único, como nomes sequenciais, proximidade geográfica, conexão no mesmo ponto do sistema elétrico e controle societário comum.

Embora a auditoria do TCU sugira a aplicação de todos esses critérios na regulação, as áreas técnicas da Aneel sugerem que a análise do compartilhamento da infraestrutura de conexão e dos controladores do grupo econômico são suficientes para identificar os empreendimentos relevantes. Após a definição desses critérios, foram elaboradas duas formas de apuração desse comportamento, a serem submetidas à consulta pública.

A primeira proposta visa avaliar a potência injetada das usinas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), consolidando as potências do conjunto de usinas que compartilham a mesma infraestrutura de conexão e controle societário, conforme o limite de 300 MW estabelecido na Lei 9.427/1996. Enquanto isso, a segunda sugere que a Aneel emita outorgas agrupadas para empreendimentos que atendam aos critérios de mesmo controlador e infraestrutura de conexão, simplificando o processo regulatório.

No ponto de vista das áreas técnicas da Aneel, a primeira opção é preferível devido à sua conformidade com os conceitos legais de empreendimento único e potência injetada, além de considerar ser desnecessário alterar ou revogar outorgas já emitidas, nem realizar mudanças significativas em contratos relacionados a essas outorgas, como CUST, CUSD, CCEAR, CER e CCEAL.

Contudo, para viabilizar essa abordagem, é necessário revisar as regras de comercialização, garantindo a consideração da injeção conjunta das usinas, definir o termo “complexo de usinas” em ato normativo e estabelecer uma definição precisa de “empreendimento”, que esteja em conformidade com o § 1º-A do art. 26 da Lei 9.427/1996.

A segunda proposta tem o objetivo de rever a definição de empreendimento único, incorporando os critérios do TCU, o que, se aplicado retroativamente, resultaria em um custo elevado e uma carga administrativa considerável, exigindo a revisão individual das outorgas e contratos associados. Essa segunda opção também teria um impacto regulatório mais significativo para os agentes, afetando sua liberdade de iniciativa, prejudicando suas estratégias financeiras e operacionais.

Diante das considerações apresentadas, foi sugerido que as duas propostas sejam submetidas a consulta pública, a ser realizada por meio de intercâmbio documental durante um período de 45 dias. A iniciativa visa obter uma avaliação inicial da sociedade e coletar contribuições relacionadas às vantagens, desvantagens e riscos associados a cada uma das propostas, permitindo uma análise mais abrangente e embasada antes de qualquer decisão final.

A Equipe de Energia do Rolim Goulart Cardoso seguirá acompanhando os desdobramentos do procedimento de aprimoramento da regulamentação e fica à disposição dos agentes e interessados para auxiliar e esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema.